Rodrigo 16/04/2022
As alegrias de um homem de meia idade
A trégua é um livro ambientado na Montevidéu dos anos 50, escrito em primeira pessoa e na forma de um diário por Santomé, um viúvo de 49 anos que trabalha chefiando um escritório de uma empresa. Vive com três filhos já adultos com quem não se relaciona bem, e, em resumo, sua vida é um pacote de tédio e resignação, sem maiores metas além de aguardar a aposentadoria e o fim do tempo de vida que lhe resta. No início, o texto é uma mistura cronológica de memórias e coisas do cotidiano, relacionamentos e filosofias de vida, com parágrafos intermináveis e sem diálogos, o que torna a leitura arrastada até cerca dos 30%.
Entretanto, tudo muda quando chegam novos funcionários, trazendo um ar de jovialidade ao escritório. Entre eles uma moça de 24 anos, Laura, que chama sua atenção por seus predicados profissionais e por sua beleza, o que, para um coração véio acostumado à solidão, é uma armadilha fatal. No início, a aproximação entre ambos é meramente formal, dada a diferença de idade. Pra ele, uma moça insignificante, e pra ela, apenas seu chefe com jeito de tiozim.
Mas a rotina acaba transformando a percepção do tiozim em relação à boyzinha, e, após várias horas-extras conferindo planilhas e muitos cafezinhos na pausa da tarde, um novo sentimento vai surgindo entre ambos; aos poucos o chefe vai extraindo detalhes de sua vida particular, e, quando abre os olhos, está novamente inoculado com o vírus das paixões juvenis, para o qual julgava ter imunidade.
Quando finalmente toma coragem e se declara, surpresa! ela disse sim. E aí, os dilemas começam a surgir: o que vale a vida do homem após perder a capacidade de sentir prazer? Como seriam em 10 anos, ele um sexagenário, ela ainda jovem; será traído? Sentirá ciúmes? Ela sonha com casamento? Viverão essa relação com a pressa do tempo que se acaba ou manterão a liberdade que lhe permite se resguardar de mágoas que já não lhe cabem? Ela, por sua vez, é uma incógnita: no início tímida, e mesmo após aceitar o pedido de namoro, continua a chamá-lo de senhor e a manter a relação num completo segredo.
Mesmo com todos esses poréns, a relação floresce, baseada mais em conversas do que em sexo. Fica estabelecida para ambos uma dualidade entre experiências de vida (ele muita, ela nada) e o estado dos seus corpos (ela uma musa juvenil, ele com sua barriga). Mas o amor é capaz de nascer no deserto mais árido, e assim se descobrem, para nossa alegria, terrivelmente conectados.
E aí, meus amigos, quando todos estão felizes porque o amor venceu novamente, vem o final e f*de com tudo, pensado propositadamente para causar impacto. Não soube o que dizer quando li, apenas me sobrou um nó na garganta, difícil de ser desatado. Ainda assim, as últimas páginas são lindas, e poderão causar lágrimas nos leitores mais sensíveis.
Em resumo, um livro que agradará a psicólogos, cinquentões saudosistas e fãs das histórias de amores impossíveis. Eu, com os meus 40 e poucos, me senti profundamente cativado. Destarte, faço votos de que todos os casais de tiozinhos e boyzinhas possam vencer as diferenças e viverem felizes para sempre, ou até que um enfarto fulminante os separe.