Fernnanda.Stumbo 02/05/2024Uma das obras mais difíceis que resenhei.Meu primeiro contato com Toni Morrison, a tão falada, e infelizmente frustei-me!
Talvez eu tenha colocado muita expectativa na obra, após tantos textos lidos e vídeos assistidos sobre o assunto que me falta saber por onde iniciar a resenha, há muito o que ser dito, ao mesmo tempo que as palavras se escondem!
Eu realmente esperava mais, senti um baque com algumas falhas na narração como por exemplo quem é o narrador "curandeiro" que na minha opinião, apresentou um dos melhores capítulos do livro, mas não faço ideia de quem seja! A comparação com Dick e Jane e a casa bonita, que eu não compreendi durante a leitura e depois que soube que é uma referência da época a família perfeita, como nosso famoso comercial de margarina.
Mesmo com minha frustração não deixei de considerar uma leitura válida e gostei muito da escrita da autora, de fácil compreensão, simples e leve, mesmo trazendo temas pesadíssimos! Apresenta personagens bem elaborados, que ao meio de suas vidas pesadas conseguem nos manter num misto de risos e choro, me despertando vontade de ler seus demais trabalhos...
Nos faz lembrar outras obras como Tomates Verdes Fritos, A Cor Púrpura e A Vida Secreta das Abelhas... Percebemos o conceito de que o negro não faz parte do padrão da beleza pela visão dos brancos, mas por que os próprios negros acreditam nisso também?
A falta de demonstração de afeto entre os familiares talvez justifique um pouco esse ponto, uma criança que vê sua mãe tratar com tanto carinho outra criança que ela cuida por trabalho contrabalanceado com toda a ignorância e desleixo que é tratada realmente não tem como desenvolver uma boa autoestima.
A relação tóxica de Pauline e Cholly que faz seus filhos terem outra visão do amor é algo marcante e justificável a reação de Pecola ao abuso cometido, um ser humano criado em um ambiente onde visualiza seus pais brigando, xingando ao mesmo tempo que possuem relações sexuais é considerável para sua inversão de bem/mal.
Outro assunto muito marcante no enredo é o relacionamento das famílias e suas reações sobre abuso sexual. Fica bem notável a presença de ignorância e falta de afeto em ambas como já citei anteriormente mas há uma diferença que muda todo o contexto da formação familiar de cada uma: o amor.
A mãe de Claudia pode ser nervosa, de poucas palavras amigáveis, exagerada na hora de bater nas filhas no intuito de educá-las. O pai "ausente" no dia a dia. Mas quando houve o incidente de abuso (bem menor comparado ao de Pecola) vimos o amor presente ali, na reação direcionada ao abusador, na proteção a filha, o amor ali vive, mesmo que pouquíssimo falado.
Já na família de Pecola, ao acompanharmos a história de seu pai abandonado pelos próprios genitores, sua busca infinita pelo pai, sua vergonha ao ser exposto em sua primeira tentativa de demonstrar um sentimento acaba nos esclarecendo o que o faz levar a cometer o abuso à sua filha, o que claro, não o defendo! Isso me gerou uma contradição tão imersa que me sinto incapaz de transcrever... Não posso dizer que conhecendo sua vida miserável somos capazes de perdoá-lo pelo ato, mas ao mesmo tempo compreendemos sua visão, a vida que lhe foi apresentada e a maneira que a interpretou. Somos capazes de justificar seu ato, mesmo sendo tão errado, doloroso e mal!
Houve uma passagem que considerei uma das mais bonitas que nos faz entender um pouco da contradição do amor de Cholly ao mesmo tempo que entendemos o amor no mundo real:
"O amor nunca é melhor do que o amante. Quem é mau, ama com maldade, o violento ama com violência, o fraco ama com fraqueza, gente estúpida ama com estupidez, e o amor de um homem livre nunca é seguro. Não há dádiva para o ser amado. Só o amante possui a dádiva do amor. O ser amado é espoliado, neutralizado, congelado no fulgor do olho interior do amante."
Esse trecho é capaz de nos ensinar duas coisas, primeiro: as pessoas só dão o amor que possuem dentro de só, reflexo do que são; e segundo: só o ser amante possui amor, enquanto o amado não é nada, além da interpretação do amador.
O livro acaba por culpar uma falha da sociedade em relação a incentivo, apoio, reconhecimento e amor aos outros.
Faz com que pensemos no que fazemos pelo outro, em nossa empatia, na facilidade que o ser humano possui de apontar no outro, seus próprios erros e defeitos. Em suas últimas páginas, Morrison traz trechos lindos, relatando características pessoais da sociedade com a verdadeira realidade miserável em que está inserida.