Victor Dantas 14/09/2020
O arco-íris não é só azul.
“O Olho mais Azul” foi a estreia da escritora Toni Morrison, ganhadora do Nobel de Literatura, sendo a primeira mulher negra e a única até então, a conquistar tal feito.
A obra vai contar a história de uma garota chamada Pecola, que vive em Ohio nos EUA com seus pais, os Breedlove.
Assim como toda criança, a Pecola possui sonhos, ou melhor, um sonho.
No entanto, diferentemente dos sonhos que estamos acostumados a criar na infância (que quase sempre gira em torno de “o que vou ser quando crescer”), o sonho de Pecola é ter olhos azuis. Os mais azuis de todos.
A Pecola é uma criança negra.
Como você deve imaginar, o sonho de Pecola não foi criado espontaneamente, teve influências externas: a hegemonia cultural branca e o racismo. Tais fenômenos não passam de dispositivos de violência e opressão, que negam e anulam o diferente .
"Se ela era bonita - e se havia uma coisa em que acreditar que ela era -, então nós não éramos. E o que isso significava? Éramos inferiores. Mais simpáticas, mais inteligentes, mas, ainda assim, inferiores" (p.78).
Esse é o principal conflito da obra, onde a autora cria todo um enredo em torno dessa questão, e no final, compreendemos que o objetivo dela, é fazer uma denúncia contra a violência (em suas distintas expressões) praticada com o ser mais vulnerável da nossa sociedade: a criança.
A história é dividida em quatro partes, de acordo com as estações: outono, inverno, primavera e verão.
Apesar de ser a história de vida da Pecola, a narrativa se estrutura não só pelo seu ponto de vista, mas de outras pessoas, onde cada uma possui vínculo direto com a protagonista.
Portanto, cabe ressaltar que a narrativa da autora não é linear, é quebrada, onde muita das vezes temos mais de um narrador em um mesmo capítulo, isso pode dificultar no início, mas aos poucos, você identifica quem é quem, quanto a escrita, é de fácil acesso.
O ponto de vista que mais é presente na obra é o de duas garotas da idade de Pecola, a Claudia e sua irmã, Frieda. A partir da visão delas, vemos as situações quais a Pecola enfrenta diariamente, o bullyng e o racismo na escola, no bairro, a violência doméstica, tanto verbal, quanto física.
Outras questões também são criticadas implícita e explicitamente, como o papel da mulher na sociedade, a maternidade e paternidade, e, a sexualidade na infância.
Por fim, temos um quadro que vai sendo pintado aos poucos ao longo das situações que vão ocorrendo, e que é finalizado da forma mais bruta e cruel possível.
Alerta-GATILHO: Existe cena de abuso sexual; incesto.
Apesar de tal ato não ser justificável, repugnante, no contexto da obra, a cena representa uma consequência, um efeito colateral de um sistema que adota um modelo de família padrão e concede a ela todos os direitos possíveis (educação, cultura, emprego, habitação) , ao passo que muitas outras ficam na sombra desta. A tragédia é estrutural.
Minhas considerações sobre a obra:
Tendo em vista as questões que o livro aborda, como foi mencionado acima, na minha opinião, a obra em si, não foi para trazer respostas a essas questões, mas, problematizar e elaborar outros questionamentos em cima destas.
O que nos torna belo?
Belo segundo quem? Eu ou o outro?
É perceptível que a Pecola não só representa a comunidade negra, mas todos os grupos sociais que fazem parte da minoria, que são marginalizados e invisibilizados diariamente, em qualquer contexto (casa, escola, trabalho, universidade, bairro), e por qualquer dispositivo de controle (família, amigos, igreja, Estado, cinema, mídia).
O sonho da Pecola em ter os olhos azuis, possui a mesma expressão que o sonho d@ garot@ gordo (a) querer ser magro (a), d@ garot@ de cabelo crespo que quer ter o cabelo liso, do garoto efeminado que quer se tornar masculino, da garota masculinizada que quer se tornar feminina, do garot@ gay que tenta reprimir seus desejos, sua identidade e cria uma persona heterossexual.
O que une todos esses casos é o seguinte: a negação do EU.
A opressão ao diferente.
E para mim, foi isso que levou a Toni Morrison a escrever o livro, para nos alertarmos sobre o quanto estamos sendo nós mesmos, o quanto estamos vivendo a nossa vida, a minha vida... o quanto estamos sendo EU, e não o outro.