Paulo Silas 26/04/2020O volume 6 das "Obras Completas" de Sigmund Freud reúne os trabalhos produzidos pelo autor entre os anos de 1901 a 1905, compreendo os clássicos "Três ensaios sobre a teoria da sexualidade" e "O caso Dora", além de alguns outros como "Meus pontos de vista sobre o papel da sexualidade na etiologia das neuroses" e "Personagens psicopáticos no teatro". Com a excelente organização da editora Companhia das Letras e a tradução do alemão realizada por Paulo César de Souza, o que se tem nesse volume é mais um trabalho primoroso. Com os dois principais textos preenchendo quase que o livro por completo, uma vez que os demais são escritos muito mais curtos, o volume acaba sendo muito mais que um livro. Seja como for, tem-se aqui um grande material de leitura e pesquisa da psicanálise.
Em "Três ensaios sobre a teoria da sexualidade", Freud se lança a estabelecer "o quanto se pode conhecer sobre a biologia da vida sexual humana com os meios da pesquisa psicológica". Para tanto, inicia sua abordagem analisando o que chama de aberrações sexuais, onde expõe os desvios no que diz respeito ao objeto sexual, bem como os relativos à meta sexual. Aqui, perversões (divididas entre aquelas consideradas normais e as que passam a ser consideradas patológicas), instinto sexual, as zonas erógenas e a questão da sexualidade perversa nas psiconeuroses são pontos trabalhados com ênfase pelo autor, estabelecendo assim o caminho para tratar do outro grande tema desse escrito, a saber, a sexualidade infantil. Nesse tópico, Freud expõe a latência sexual da infância, suas manifestações e metas (pontuando que seriam três as as características essenciais dessa manifestação sexual: o surgimento como apoio numa função vital do corpo, o autoerotismo e a mta sendo dominada por uma zona erógena), trilhando de igual modo um caminho para chegar no terceiro tópico desse escrito: as transformações da puberdade. De toda a análise realizada, Freud elucida algumas questões como a repressão e a sublimação, destacando ainda que "se as pessoas fossem capazes de aprender com a observação direta das crianças, esses três ensaios poderiam muito bem não ter sido escritos".
Já em "Análise fragmentária de uma histeria ("O caso Dora")" o que se tem é a exposição de um caso de uma paciente de Freud - um dos seus mais conhecidos. O psicanalista relata todo o quadro clínico de uma paciente sua, sob o pseudônimo Dora, cujo tratamento (incluindo a interpretação de dois sonhos) não exitoso durou apenas poucos meses. Traz ao público todos os detalhes do tratamento, com a consequente narrativa sobre a vida de Dora: seu relacionamento familiar com seu pai e sua mãe e a peculiar amizade com o Sr. K. e a Sra. K - um casal de amigos da família que se descobre envolver questões muito mais complexas e delicadas que apenas o sentimento de amizade.
Nos demais textos, muito mais concisos conforme já se apontou, tem-se um resumo do método psicanalítico criado por Freud, alguns apontamentos sobre a psicoterapia, uma breve exposição sobre o papel da sexualidade na etiologia das neuroses, uma análise do drama teatral por uma viés psicológico e psicopatológico e algumas renhas e curtíssimos textos publicados no período compreendido por esse volume.
Os anos que compreendem os textos publicados nesse volume eram os primeiros após a criação/descoberta proposta do método psicanalítico, de modo que além de se observar que muito do que Freud desenvolveu ainda estava em seu formato embrionário, verifica-se nos textos que há ênfase e reiteração em ideias que haviam sido recentemente lançadas, explicando Freud por vezes a gênese da psicanálise a fim de defendê-la e afastar os preconceitos e resistência que o método encontrava. Obra necessária e devida, portanto, para o estudo da psicanálise freudiana.