Lucio 28/02/2021
As Conflituosas Relações da Alma entre a Morte e o Amor
RESENHA CRÍTICA
INTRODUÇÃO
Este é um livro do pós-guerra (1ª Guerra Mundial), e faz parte do desenvolvimento do pensamento de Freud. Há um declarado e explícito teor especulativo e vemos o autor como que ensaiar algumas de suas ideias, levando-as às consequências de seus postulados. A ideia buscada é justamente a existência de algum processo mental que possa agir à parte do princípio do prazer - como o próprio título claramente sugere. Para versar a respeito, o pai da psicanálise irá investigar possibilidades e problemas teóricos que cercam a atividade clínica.
RESUMO DA OBRA
Para encontrar o objeto de sua busca, Freud analisa as neuroses traumáticas e os sonhos que dela se originam. As neuroses são produtos do susto. A ansiedade e o medo poderiam tê-la evitado. Mas é o susto que a ocasiona. Os neuróticos deste tipo costumam retomar em sonhos os acontecimentos que os levaram ao trauma. Sob o princípio do prazer, os sonhos não deveriam levar a essas recapitulações. Freud até mesmo observa que há situações a princípio desprazerosas que podem ser prazerosas num outro sentido e, portanto, ainda estão sob o domínio do prazer (como as experiências estéticas num teatro ou as repetições de experiências ruins às quais as crianças foram submetidas, mas que então faz delas ativas e dominadoras da situação), mas observa que não é este o caso nesses sonhos, cuja recordação nada têm que ver com qualquer tipo de produção de prazer.
Há, aqui, a questão sobre haver uma compulsão à repetição. Há alguma tendência à imitação nas crianças e uma à repetição em muitas neuroses. Portanto, Freud trabalha a hipótese de haver uma compulsão à repetição e a demanda de uma explicação para este fenômeno psíquico.
Para tentar explicar, Freud se vale de uma noção evolucionária na qual os primeiros indivíduos unicelulares desenvolvem barreiras para se protegerem da super-exposição aos estímulos. Mas isso só pôde fazer com que lidasse com as excitações provenientes de fora. Aquelas vindas de dentro não conheciam barreiras. Então, a mente cria mecanismos para lidar com elas. A forma da mente lidar com a neurose traumática é justamente recuperar, repetir a experiência de modo a produzir a ansiedade e medo necessários para preparar o indivíduo para lidar com aquilo.
O autor resolve expandir a ideia da compulsão à repetição e a investiga sob a hipótese de ser um instinto ou estar relacionado a um. Esta compulsão tende a buscar restaurar uma situação. Vindo a vida da matéria inanimada, há, portanto, uma tendência para a condição inorgânica, postural Freud. Isso quer dizer que há em nós instintos que visam buscar a própria morte. E a situação não se manteve tão direta graças às variações que o ambiente e as situações geraram nos organismos.
Mas, além disso, existe outro instinto concorrente, a saber, os instintos da vida. Primeiro, há a coalescência acidental que vitaliza o ente e que, portanto, passou a ser abraçado como adaptação à vida. Este princípio é o que iria gerar a reprodução sexual como forma de perpetração da vida. Ainda mais se considerarmos que os indivíduos são aglomerados celulares e que, enquanto tudo tende à morte nele, há outra parte que tende à manutenção da vida, i. e., o sistema reprodutor e sua final germinação.
Para Freud, as neuroses vão surgir justamente por haver essa contradição interna no homem, i. e., entre instintos de morte e instintos de vida. Mas as coisas não são tão simples. O pai da psicanálise retoma os mecanismos do ego e o considera como possuindo tanto instintos de morte como instintos sexuais. Postula também que os instintos podem tomar tanto o ego quanto o objeto, e mover-se de um para o outro. Ainda teoriza sobre os processos primários, no inconsciente, cuja energia interna flui livremente, e os processos secundários, vinculados, que se dão no pré-consciente e na consciência e cujas energias afetivas estão ligadas ao objeto representado. Cogita, igualmente, sobre o papel revigorante do sexo e a respeito do poder vinculante do Eros em relação a todo o organismo.
Freud acredita que o domínio do princípio do prazer só pode se dar quando há uma conversão das catexias livres em catexias vinculadas e, assim, possivelmente um estado quiescente. Esses outros instintos que buscam lidar com as tensões, pois, agem de modo independente, mas não opostos ao princípio do prazer.
Tudo isso o autor admite ser, em grande medida, obscuro. Ainda não estava seguro de uma fundamentação desse instinto de morte e de tantas outras coisas, mas julgou de valor considerar até o fim a hipótese.
AVALIAÇÃO CRÍTICA
Uma crítica definitiva à obra evoca todas as críticas feitas à própria concepção antropológica de Freud. É evidente que isso demandaria mais do que é viável dizer aqui. Entretanto, é possível mencionar de passagem alguns aspectos dessas objeções ao pensamento deste importante pensador contemporâneo.
Primeiro, há uma franca dependência do naturalismo filosófico, o que compromete a própria confiabilidade do aparelho cognitivo, tal como muito bem apontam Lewis e Plantinga. e. g. Segundo, há uma pressuposição metafísica (altamente influenciada por Schopenhauer) a respeito de um interesse injustificado da natureza em preservar a vida, sendo esta uma mera conjunção atômica. Este é um aspecto problemático do ponto de vista existencial. Freud também ignora aqui os anseios religiosos (os quais tenta lidar, sem sucesso, no ‘O Futuro de uma Ilusão’). A ignorância a esse respeito empobrece sua discussão sobre a psique humana. E próximo a isso há uma desconsideração sobre os reclames morais inerentes à alma (consideração que o autor também tenta trabalhar em obras posteriores, mas igualmente sem sucesso).
Tudo isso nos parece comprometedor, mas não faz com que a obra seja uma inutilidade. No mínimo, aponta para problemas da psique que demandam uma solução. Também é feliz em observar alguns mecanismos e criativo para interpretá-los, embora suas interpretações estejam em grande medida vinculadas às suas hipóteses antropológicas e metafísicas. Seja como for, é preciso desenvolver uma psicanálise e explicações alternativas às de Freud para o rejeitarmos.
APARATO TEÓRICO
Freud se baseia em grande medida no desenvolvimento da sua própria teoria e nas suas atividades clínicas. É evidente que outros pesquisadores na área são consultados, e sobra uma pequena crítica até para Jung - mencionado como um inovador. Há também franca dependência das reflexões à teoria de Darwin sobre a origem da vida e das espécies. E, embora apenas timidamente admitido, há uma clara influência de Schopenhauer no que diz respeito à concepção do amor como aspirante da imortalidade, traduzido nos instintos sexuais. Há também menção a Platão (uma das teses do ‘O Banquete’) e uma pobre e equivocada menção à teoria do tempo de Kant.
Freud, no entanto, dá a impressão de ter investigado as várias teorias éticas e existenciais, mas não há menção nem clara nem competente a várias alternativas filosóficas aos seus postulados. Assim, várias questões filosóficas pertinentes a respeito das aspirações humanas são ignoradas e isso empobrece a obra - aqui e noutros lugares no ‘corpus’ freudiano.
RECOMENDAÇÃO
A obra não é de fácil assimilação. Ela demanda do leitor um bom conhecimento psicanalítico das teorias de Freud. Há muitas referências a elas. Portanto, parece-nos que apenas pesquisadores da área ou interessados no pensamento de Freud - para fins psicanalíticos e/ou filosóficos - poderão tomar com algum proveito este livreto.