Silvio 25/06/2020
Um velho que todo mundo gostaria de ser
Sensível e divertido na medida certa, Tentativas de fazer algo na vida é um relato cativante sobre o envelhecimento e o valor da amizade
Aos 83 anos e 3 meses, sem filhos e com a esposa internada em um sanatório, Hendrik Groen mora em uma casa de repouso em Amsterdã que mais parece uma penitenciária, cheia de regras e proibições. Ciente dos seus últimos anos de vida, inicia um diário para encontrar conforto e manter a lucidez em sua vida solitária.
Falando assim, Tentativas de fazer algo na vida (Editora Planeta, 2016) soa como um relato deprimente sobre a vida em um asilo, cercado de desesperança. Groen, ao contrário, revela um microcosmo social cheio de nuances e transforma seu diário em um relato sensível, cativante e bem-humorado sobre o envelhecimento e o valor da amizade. Não por acaso o livro se tornou best-seller, publicado em 30 países. Na Holanda virou série de TV e peça de teatro.
A monotonia diária, cercada de reclamações sobre quem está sentado na cadeira que quem, as exaltações sobre os bons tempos (mesmo quando passavam fome) e brigas pelos prêmios do bingo só é quebrada pelo amigo Evert, sempre disposto a violar as regras e dizer o que pensa.
Em meio a tanta gente rabugenta, Groen e Evert vão conhecendo outros outsiders como eles: a vizinha Grietjie, o tímido Graeme, a charmosa Eefje, o calado Edward e o casal gourmet Ria e Antoine. Juntos formam o clube "Tô velho mas não tô morto", em que desfrutam de pequenos prazeres na companhia de uns dos outros em passeios surpresa organizados por cada um dos participantes e jantares.
Tô velho mas não tô morto
As aventuras são vistas com desaprovação pela diretora do asilo, sra. Stelwagen, e com inveja e rancor pelos outros residentes, o que torna o grupo mais isolado, mas também mais unido.
Graças ao Tovemanontomo, Groen recupera o interesse pela vida. Diverte-se em passeios por Amsterdã em seu novo triciclo motorizado e redescobre o amor em flertes com Eefje. Mas felicidade é efêmera e a idade avançada começa a cobrar o seu preço junto aos membros do clube.
Hendrik Groen, pseudônimo do escritor Peter de Smet, cuja identidade permanecia em segredo até recentemente, acertou em cheio ao escolher a forma de diário para contar sua história. Ao nos colocar na pele do seu personagem, nos faz vivenciar o mundo sob a sua perspectiva de um velho de 80 anos e, ao mesmo tempo, mostrar como a sociedade nos vê.
Em muitos países em que foi publicado, Tentativas de fazer algo na vida gerou discussões e debates sobre a condição de como os idosos são tratados, tendo inclusive uma continuação (On the bright side: The new secret diary of Hendrik Groen, 85 years old). No Brasil, infelizmente o livro passou quase que despercebido, reflexo de como o tema envelhecimento ainda é tratado no país.