Resenhas - "Oh..."

Ricardo Rocha 08/01/2017

acabei enfim de "ler" elle no celular. não sei se a intenção do autor foi vagamente semelhante ao que sinto agora, provavelmente não. decerto não. é tão verdadeiro isso, de uma obra passar alguma coisa inversa ao que pretendeu. ontem isabelle huppert ganhou o globo de ouro pelo filme e alguém em uma mesa comemorou, pulando. foi estranho. como alguém comemora um prêmio por uma obra que fala de desamparo e crueldade humana já é difícil de entender, pular comemorando e rindo, é impossível. então abstraio as leituras, focalizo no que sinto e o que sinto é a obra. faço isso até com o que eu mesmo escrevo. chega um ponto em que a vaidade é tanta de ter escrito bem ou a frustração de nao ter, que digo perái, não importa, porque a vida que as personagens vivem permanece, apesar de mim, e é uma vida em que o desamparo se transforma em realização, em que a crueldade é sublimada é vira um livro, um livro que fará bem a alguém, em algum momento do vasto tempo neste mundo errante. então, terminando a leitura do filme, me vi de novo em mim, e nunca é uma sensação de todo confortável mas sempre é uma sensação de que há alguém que compreende, por exemplo, a necessidade de silêncio, de estar quieto no meu canto, passe os paradoxos - e no dia primeiro - meu Deus, foi semana passada... os post de revellon dos solitários a quem admiro (pq continuo admirando), brindando com champanhe e confete bateu a solidão total, plena e essa sem remédio – e conforme o filme chegava ao final – e, até onde soube, o livro é essencialmente a mesma coisa – ao olhar as vítimas da vítima, crescia a sensação de que esses mesmos que se chocam com o filme fazem coisas muito semelhantes, da desatenção, da traição, do desdém, do egoísmo, que é o que gera todo o mal que irá chocar porque somos hipócritas, porque não é nada muito diferente do que nós mesmos somos, com resultados menos aterrorizantes não por causa de mais bondade nossa mas menos ousadia para o mal – e veio – foi bom – o sentimento de que ah, é apenas um filme, é apenas um livro – mas peralá, em alguma medida filme e livro vivos em nossa vida. “sou eu, a amante de teu marido” – “eu te matei, não vindo te visitar, por isso vc morreu” - “o que vc fez? – eu parei de mentir”... “é doentio, nós dois, é doentio, é perverso...” - e não há meio de sair ileso depois das coisas que fazemos ou deixamos de fazer, para bem e para mal.
PS- o filme "elle" foi baseado no livro, que ganhou o Prix Interallié ( e foi nomeado para o Prix des prix littéraires. diferente do nobel, em geral esses premios fraceses são literários mesmo (nao políticos), vide proust, duras, pascal laine etc. se o fiolme captou dele o espírito, então é isso mesmo, merece. porque o filme (e isabelle huppert, que em geral são coisas que se confundem) beira a perfeição. ao contrário de outras grandes atrizes, isabelle nunca parece estar atuando. é aquela performance que poderia ser a vizinha de alguém, ou, no caso, a que manda em seu pedaço. passam longe de uma muilher normal reagindo normalmente à agressão. e todavia, convence, como sua vizinha te convence de que é tua viznha. dói ler a página do livro no goodreads, onde as pessoas das mais diferentes nacionalidades leem no original e conversam nos seus próprios idiomas, e aqui estarmos ou reféns do todo-poderoso inglês, ou condenados a depender da boa vontade de algum editor que se disponha ao risco, o que é raro. enfim... do autor (que, diga-se, é meio armênio) também betty blue (outra pérola do cinema). e, isabelle tem 63 anos... é a um tempo para consolar e extasiar...