alineaimee 22/11/2011O romance conta a história de Emma, uma mulher sonhadora pequeno-burguesa, criada no campo, que aprendeu a ver a vida através da literatura sentimental. Bonita e requintada para os padrões provincianos, casa-se com Charles, um médico interiorano tão apaixonado pela esposa quanto entediante. Nem mesmo o nascimento da filha dá alegria ao indissolúvel casamento ao qual a protagonista se sente presa. Para sentir-se "viva", ela mergulha em aventuras românticas e no consumismo desenfreado, exaurindo-se até o limite.
Flaubert acabou respondendo a um processo por atentato à moral e à religião. A sociedade da época não estava preparada para um realismo que se eximia de juízos de valor. Era inconcebível uma narrativa que descrevesse uma mulher com tamanho desejo e ousadia, sem que o narrador indicasse o menor índice de reprovação. Afinal, o papel do realismo era apontar a sujeira da sociedade, esfregando-a na nossa cara com assertivas didáticas e sarcasmo ridicularizante. Qualquer isenção de julgamento punha a mira na testa do autor, aquele imoral safado.
Madame Bovary, mais que uma crítica à educação das moças através de uma literatura alienante - a romântica - é ainda o romance que preludia a linguagem cinematográfica, com flashes e cenas simultâneas intercaladas. Flaubert eleva, ainda, os anseios de cada personagem a verdadeiras pinturas, compondo belíssimos quadros de intenso lirismo.
Se no século XIX não havia televisão ou internet, carregados de novelas, sitcoms e propaganda, o papel de "vitrine" era encenado pelo romance, ao descrever os hábitos, os bailes, as óperas e a moda. Só que mais que descrever, Flaubert denuncia uma nova forma de olhar, compatível com as novas tecnologias que cada vez mais apelavam para a visão.
Um verdadeiro marco na medida em que retrata a modernidade de forma inusitada e incômoda para a época, e que convida à reflexão, possibilitando ainda hoje discussões variadas sobre o homem e a arte.