Precedentes Judiciais e Segurança Jurídica

Precedentes Judiciais e Segurança Jurídica Estefânia Maria de Queiroz Barboza




Resenhas -


1 encontrados | exibindo 1 a 1


Paulo Silas 20/01/2017

Estefânia Maria de Queiroz Barboza constrói uma proposta profícua, profunda e concreta. Em “Precedentes Judiciais e Segurança Jurídica: fundamentos e possibilidades para a jurisdição constitucional brasileira”, fruto de sua brilhante tese de doutorado, a autora intensifica o debate acerca da segurança jurídica através do stare decisis, objetivando assim que pela adoção desse paradigma de viés jurisdicional-constitucional, possa se dar plenitude à intentada segurança jurídica. Assim, os precedentes judiciais, considerando todas as nuances de sua estruturação, desempenhariam um importante papel nesse caminho de levar o Direito a sério, pois coerência e integridade devem pautar os julgados, principalmente nas cortes superiores, a fim de que possa assim existir um tipo de coesão, de lógica concatenada, enfim, de um respeito sequencial observável quando da decisão judicial.

A grande contribuição constante na obra é a proposta de “que os Ministros do Supremo Tribunal Federal se inspirem no modelo romance em cadeia proposto por Dworkin, para que, utilizando-se da doutrina do stare decisis, possam dar uma visão coerente da prática constitucional brasileira”, de modo que houvesse ainda assim uma interpretação coesa e de acordo com os princípios norteadores da “moralidade política da comunidade brasileira” para com os direitos humanos e direitos fundamentais, garantindo então a “segurança jurídica, integridade, igualdade e estabilidade almejadas pela sociedade”.

O basilar da proposta da autora é profundo e robusto, o que torna a exposição convincente e muito bem fundamentada. Justamente para que haja uma compreensão concreta acerca da defesa construída na obra, a autora esmiúça vários pontos históricos, culturais, jurídicos e doutrinários que embasam e sustentam sua exposição.

O livro é dividido em suas partes, sendo que na primeira é apresentada uma “aproximação dos sistemas civil law e common law no judicial review”, enquanto na segunda se tem “a construção de um sistema de precedentes judiciais tal qual um romance em cadeia: o direito como integridade e como garantia da segurança jurídica”. O interessante é constatar que a própria narrativa da obra funciona como em respeito a um romance em cadeia, vez que a sequência da construção argumentativa da autora é lógica e coerente, encerrando-se na proposta de uma maneira digna e suficiente ao fechar a exposição levando em conta todos os capítulos que antecedem a conclusão.

Dá-se início com a explanação do desenvolvimento dos sistemas jurídicos de tradição do common law e do civil law. O stare decisis se construiu enquanto doutrina diante da necessidade de garantir estabilidade e coerência ao sistema do common law (que se desenvolveu “enquanto produto da história e das decisões judiciais”), o que se fez mediante a vinculação do julgador aos precedentes. Já o chão do sistema do civil law é outro, pois adveio da autoridade estatal, de modo que para garantir sua coerência foi necessária a codificação do sistema.

Na sequência, a autora discorre sobre a “expansão do judicial review”, cuja necessidade de controle de constitucionalidade por parte do Poder Judiciário teve como origem a revolução dos direitos humanos, que ocorreu após o final da segunda guerra mundial, ensejando assim naquilo que se deu o nome de judicialização da política. É aqui que a autora inicia a abordagem de sua construção teórica. Diz-se com relação à noção de princípios. Isso diante de fato de que esses fenômenos pós-guerra acarretaram numa necessidade de se estabelecer uma supremacia dos direitos humanos. Um dos meios mais concretos para tanto foi o estabelecimento da previsão de tais direitos através de constituições escritas. Porém, para a autora, “essas normas [...] fornecem apenas o início de solução, não sendo, portanto, possível, que na sua exteriorização escrita existam todos os elementos para formação do sentido”. É dizer que o texto constitucional não comportaria, em si próprio, toda a matiz principiológica estabelecida enquanto garantidora dos direitos humanos. Se a base for apenas a interpretação daqueles direitos que se encontram no texto da Constituição, a ideia de constitucionalismo restaria enfraquecida, de modo que a norma não poderia ser confundida com o enunciado normativo, já que “seu significado não está no texto abstrato, mas no caso concreto, a partir de um processo interpretativo que fará a interação entre o texto e a realidade social”. Deste modo, para a autora o texto constitucional seria o pontapé inicial de um consenso da própria comunidade, sendo que a partir daí caberia à interpretação do texto o estabelecimento de significações e ressignificações desse, o que seria feito com base em decisões já procedidas e no contexto histórico-cultural.

A autora deixa claro que isso já é o que ocorre em países cuja tradição é a common law. A proposta consiste justamente em trazer parte dessa tradição para o nosso sistema, no sentido de que o Judiciário assuma e desempenhe mais ativamente o papel interpretativo a fim de conceder uma maior e mais efetiva segurança jurídico no processo jurisdicional. O risco seria o de o julgador incorrer em ativismo, porém, para a autora, nem tudo aquilo que os críticos apontam como sendo ativismo assim o seria.

A fim de efetivar a proposta do papel interpretativo da realidade e do contexto constitucional conferido ao julgador, haveria de se atentar para e respeitar os conceitos oriundos da tese dos precedentes, o que seria feito no sentido de que a integridade e coerência dos julgados devessem ser levados em conta. Isso se daria principalmente nas cortes superiores, mas também valeria para todo e qualquer julgador. Deste modo, as questões e conceitos atinentes aos precedentes deveriam ser observados: coerência, integridade, distinguishing, overruling, living constitution judicial review, stare decisis, obter dictum e ratio decidend. Somente assim um sistema poderia ser íntegro e conferiria a segurança jurídica a todo um sistema.

Ainda, vale frisar que a autora se ampara na analogia dworkiniana do romance em cadeia a fim de se ter uma estabilidade no uso dos precedentes. Conforme pontua, “deve-se ter em mente que cada nova decisão judicial, assim como cada capítulo do novo romance de Dworkin, será ligada à anterior, mas isso não significa que será reproduzida. Até porque não se propõe um Romance histórico, mas um romance que esteja sempre em processo de construção e reconstrução”. Assim como o romance, as decisões judiciais, observando os precedentes, deveriam manter uma encadeamento lógico em seu desenvolvimento, além de possuir uma estrutura fixa que mantenha a coerência e coesão no desenrolar de seus atos. Caberia aos julgadores analisar e observar os capítulos que antecedem aquela questão/caso que lhes chega em mãos a fim de proceder uma nova decisão, para que com base numa perspectiva lógica (coerente e íntegra) daquilo que vem sendo seguindo no sistema judicial, seja respeitada a interpretação e seus limites que acabará por ensejar na adoção de elementos apresentados no ato da nova decisão.

É ao considerar a constatada ausência de previsibilidade e segurança jurídica das decisões judiciais no âmbito brasileiro que se elabora a tese defendida e proposta na obra, a fim de que assim, com base nos elementos extraídos de uma tradição diversa da aqui utilizada, seja possível estabelecer uma concreta segurança jurídica para tornar mais robusta a jurisdição constitucional brasileira.

É uma proposta muito interessante. Vejo apenas que há de se ter cautela na efetivação da abordagem, pois se trata da mesclagem de dois chãos diversos em suas estruturas e núcleos fundantes. Além disso, seria necessário ocorrer uma superação da confusão que se faz no Brasil acerca dos precedentes e sua forma posta em prática. A autora alerta sobre essa questão quando critica o uso feito das súmulas vinculantes, por exemplo. Uma exata compreensão seria mais do que necessária, a fim de que cessasse qualquer tipo de equívoco nessa questão. Também não consegui compreender bem como se daria a extração de princípios para além do texto constitucional (da realidade e das decisões já tomadas, como diz a autora). O meu receio é justamente por considerar que nos situamos num chão diverso do proposto, ou seja, estando situados no sistema do civil law, as tentativas de interpretação dos princípios basilares constitucionais para além da Constituição poderiam (e certamente muitas vezes se concretizariam de tal modo) ensejar em ativismo. Seja como se entender, tem-se que é um trabalho de peso. Magnífico. Esclarecedor e muito bem elaborado. Merece e deve ser lido para uma maior e melhor compreensão da temática. Recomendo!
RTK 05/04/2017minha estante
Acredito que é arriscado abrirmos espaço para o subjetivismo judicial na interpretação da legislação, por quê? porque o STF é uma corte política e não técnica, o sr. mesmo escreve que isso poderia "ensejar em ativismo". O grande problema, no Brasil, é a questão da efetividade da lei, temos de nos ater em construir um Estado, com verdadeira políticas para o nosso futuro.




1 encontrados | exibindo 1 a 1


Utilizamos cookies e tecnologia para aprimorar sua experiência de navegação de acordo com a Política de Privacidade. ACEITAR