The Gustav Sonata

The Gustav Sonata Rose Tremain




Resenhas - The Gustav Sonata


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jota 03/08/2019

Amizade, música clássica, mistérios e muito mais...
Alguns protagonistas de The Gustav Sonata fazem parte de uma rica família judia, como o garoto Anton Zwiebel; ele e outro menino de sua idade, o suíço Gustav Perle, pobre e órfão de pai, são os personagens centrais do livro. Muito dessa narrativa se passa durante o grande conflito mundial, porém longe das batalhas e dos campos de concentração, na Suíça, país conhecido por sua neutralidade e que recebeu judeus até 18 de agosto de 1938. Depois disso não mais porque as autoridades temiam represálias dos nazistas, desrespeito à neutralidade, invasão do país etc.

Este fato tem grande importância na narrativa porque Erich Perle, pai de Gustav, na época assistente do chefe de polícia em Matzlingen, falsificou documentos (retroagiu datas) que permitiram que muitos judeus entrassem no país depois de 18 de agosto e se salvassem. Tudo o mais é ficção, mas essa parte da história tem base real e no final ficamos sabendo o nome do verdadeiro policial suíço que fez isso, Paul Grueninger, no cantão Saint Gallen. Mais tarde Erich Perle foi denunciado, perdeu o emprego e vantagens: as suspeitas recaíram sobre os próprios judeus, daí que a mãe de Gustav não apreciava a amizade do filho com Anton e sua família.

Apesar disso tudo a guerra é apenas pano de fundo aqui, pois o livro é basicamente sobre a amizade em suas várias formas. Mas é principalmente sobre a amizade entre Anton e Gustav, que se inicia por volta dos cinco anos no jardim de infância e prossegue por mais de cinco décadas, com alguns intervalos, durante os quais é contada a história dos pais de Gustav, Erich e Emilie Perle, e dos pais de Anton, Armin e Adriana Zweibel. Através deles Rose Tremain trata de assuntos como maternidade, fidelidade conjugal, e ansiedade, um problema enfrentado por Anton desde pequeno e ao qual Gustav dá muita atenção desde que se conheceram.

Nasceu entre os dois meninos uma sólida amizade, mas que mais tarde é abalada quando Anton se muda para Berna, para cuidar de sua carreira artística. Que na verdade não se desenvolveu tão bem quanto ele e os pais esperavam: Anton se tornara pianista, mas sempre com muito medo de apresentações públicas. Já Gustav, com muito esforço, economia e alguma sorte, se tornara proprietário de um pequeno e aconchegante hotel na própria Matzlingen. Se Anton se dá bem com seus pais quase o tempo todo, o mesmo não ocorre com Gustav e sua mãe, há muito viúva de Erich, morto logo após o nascimento do filho. Ela o trata com certa indiferença e dele esconde um segredo que será revelado por outra mulher, somente quando Gustav já tem mais de cinquenta anos. Ela é Lottie - com quem ele mantém uma curiosa amizade agora, depois que outro mistério do passado veio à tona -, personagem um tanto fora da curva quando comparada aos demais, muito interessada em sexo mesmo em idade avançada, uma "pegadora", digamos assim.

Enfim, tudo isso prende muito nossa atenção, ainda que essa história tenha alguns pontos pendentes, como a falta de profundidade na exploração da personalidade dos personagens e quase nada sobre os anos logo após a adolescência de Gustav e Anton. Mas aqui e ali percebemos certa atmosfera homoerótica rondando os dois: numa brincadeira de bombeiro e vítima de incêndio quando garotos eles trocam um beijo simulando respiração boca a boca. De certo mesmo é que perto do final há muita referência ao escritor alemão Thomas Mann, e isso dá certo lastro ao livro.

Davos, cenário do famoso A Montanha Mágica (que era para onde os doentes iam tentar se curar de tuberculose), é bastante citada na trama: os meninos encontram durante uma caminhada pelas cercanias da cidade um sanatório abandonado, a lembrar cenas da história de Mann. A instituição ficava não muito longe do hotel onde eles estavam hospedados: Gustav não podia pagar a estadia, vai como convidado dos Zweibel, a pedido de Anton. Depois há referências explícitas a Morte em Veneza, outra conhecida obra de Mann, mas com ênfase no filme de Luchino Visconti e seu personagem Aschenbach, lembranças que vêm à memória de Gustav ouvindo Anton tocar uma sinfonia de Gustav Mahler, presente na trilha sonora do filme. Depois Anton fica seriamente doente, é hospitalizado, e resta saber como o livro vai terminar: com morte, como em Davos ou Veneza, ou de outro modo?

Rose Tremain escreve muito bem, claramente (meu inglês de turista me serviu sem grandes dificuldades), o livro flui como se estivéssemos ouvindo música clássica, mas também é verdade que há uma grande diferença entre sua escrita (já tinha ouvido sobre a autora inglesa antes, mas nada lido dela) e as obras de Thomas Mann. Porém, pelo menos com este livro, penso que ela vai bem além da simples literatura de entretenimento. Tanto que The Gustav Sonata ganhou prêmios, recebeu boas críticas de veículos de comunicação europeus e americanos e dos leitores, também a admiração de escritores como Ian McEwan (Reparação) e Salman Rushdie (Os Versos Satânicos). Vale a pena conhecer a obra, sim.

Lido entre 28/07 e 03/08/2019. Minha avaliação: 4,5.
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