Procyon 27/05/2023
O pai Goriot ? comentário
?Não há princípios, há apenas acontecimentos; não há leis, há apenas circunstâncias.?
Um dos fundadores do realismo na literatura moderna, Honoré de Balzac traça, em O pai Goriot, uma espécie de diagnóstico da sociedade francesa pós-napoleônica ? uma sociedade dominada pela avareza e corrupção na medida em que há a ascensão do capital como mediador social absoluto.
?As almas belas não podem ficar muito tempo neste mundo. Realmente, como se poderiam aliar os grandes sentimentos a uma sociedade mesquinha, pequena, superficial??
Esta tragédia, que faz parte de seus ?estudos de boas maneiras? (A comédia humana), apresenta núcleos narrativos e dois personagens que funcionam como co-protagonistas: o senhor Goriot, único personagem capaz de chegar numa ?pureza de sentimentos? em meio a uma sociedade egoísta; e Eugène de Rastinac, o estudante de direito. Ao mesmo tempo que se narra a iniciação do jovem nos vícios e vaidades da alta sociedade, e consequentemente seu desencanto, o livro trata da decadência de Goriot, que tem seus critérios de ação transformados em ideais abstratos (aludindo, portanto, aos ideais da Revolução Francesa, depauperados pela consolidação da dinâmica do capital). Enquanto isso, Rastinac tem seu percurso de romantização, seguido de um realismo do mundo e logo uma integração a essa dinâmica social ? deixando-se, então, levar pela paixão dominadora do poder e do dinheiro.
?Sabe como alguém abre seu caminho por aqui? Pelo brilho de gênio ou pela habilidade da corrupção. É preciso entrar nessa massa de homens como uma bala de canhão (?). A honestidade de nada serve (?). Assim, a corrupção é a arma da mediocridade que abunda, e você sentirá sua presença em toda parte.?
A narrativa, desta forma, funciona através de oposições, como os dos núcleos espaciais/narrativos contrapostos: a Casa Vauquer e os salões parisienses da alta burguesia. Destarte, acontece um entrecruzamento de Rastinac e Goriot, os dois protagonistas, os únicos que conseguem transitar entre esses núcleos (em movimentos de ascensão e declínio, respectivamente). Revelando a decrepitude dos espaços e das personagens, Balzac traz personagens complexos (como Vautrin, o herói romântico por excelência), atenção aos pormenores, e faz um retrato bastante vivo da corte e de sua decadência. Rastinac, ao final, deixa-se dominar pela paixão do poder e dinheiro após a morte de Goriot, que espelha o abandono dos ideais humanistas em favor da cobiça e corrupção.
?Tudo se resume a ?ouro e prazer?. Esta busca incessante e desgastada?. (Ivan Pinheiro Machado)