Liberta-te, Mãe África

Liberta-te, Mãe África Ernesto Moamba




Resenhas - Liberta-te, Mãe África


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Lin 08/08/2022

Interessante pelo contexto da África, abordando espaço geográfico, bem como suas histórias e sofrimentos de seus filhos que foram escravizados..
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Suelen 24/06/2020

Dores, amores, dificuldades, racismo, pobreza, riqueza
O título é basicamente um resumo de tudo o que o livro nos trás.
O autor moçambicano passou todo amor e dor pela África, com todas suas desigualdades sociais, escravidão, pobreza e beleza. Percebi o grande respeito do autor pela África.
Não sou fã de poesia, mas o livro é tão curtinho e de tão fácil entendimento que conseguiu me prender. Alguns trechos possui palavras de outra língua e tem até um poema totalmente nessa outra língua.
Recomendo a leitura.
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Krishnamurti 03/03/2018

MOÇAMBIQUE, UM GRITO DE LIBERDADE QUE CONTINUA A ECOAR...
A atual República de Moçambique já foi uma região da costa oriental na África Austral, que sofreu no passado (entre 1497 e 1505), a presença colonial portuguesa. É região de intensa multiplicidade cultural a reunir os povos Suahilis, Macuas-Lomués, Macondes, Nhanjas, Zambezianos, Chonas, Tsongas, e Bitongas dentre outros, que por sua vez, receberam ao longo do tempo, influências deixadas por árabes, indianos e muçulmanos. Os portugueses todavia, só iniciaram efetiva instalação de sua administração em finais do século XVIII, princípios do XIX por razões estritamente “comerciais”. Moçambique é pois, como o Brasil, um caldeirão cultural.
Voltemos ao século XIX: se por um lado a nova conjuntura internacional desencadeada principalmente na Europa, decorrente do acelerado processo de industrialização e do aumento de consumo das massas trabalhadoras levava à procura por matérias-primas, algumas facilmente acessíveis em Moçambique, por outro, as pressões pelo fim do tráfico fizeram Portugal modificar a sua postura comercial com relação à pretendida província, aceitando a participação de compradores que tinham, na ocasião, não somente interesses pelos produtos moçambicanos, mas principalmente recursos financeiros para tal. O aumento do comércio lícito de escravos na costa oriental ocorreu simultaneamente com o auge do tráfico clandestino e pressões por parte dos europeus em aboli-lo. Registra-se inclusive, nos primeiros anos do século XIX uma saída maciça de escravos.
Muito bem: Agora em inícios do século XXI, inusitadamente, deparamo-nos com a obra de um jovem escritor nascido na capital de Moçambique, Maputo. Chama-se Ernesto António Moamba e publicou seu primeiro livro de poesias no Brasil (pela Editora do Carmo). “Desperta mãe África” reúne poemas que, segundo o poeta e escritor brasileiro Nathan Sousa, evocam “as desesperanças de um país encravado na pobreza, na miséria, e nos sofrimentos que deles decorrem. Vejamos um poema de profunda inquirição existencial nesse sentido: Poema “Despido”:
“Sou proveniente dos restos das lágrimas. / Sou vestígio de capulana / Que com os chicotes / Foi desperdiçado.
Com azagaia meu corpo / Foi transformado em chamas. Sou aquela bola, xingufo velho cansado / Viúvo dos sonhos roubados. /
Sou o silêncio / Levando nos bolsos / Uns trocados de vida”.

Moamba em outro poema deixa-nos entrever como descobriu a literatura: “Senti o prazer, / Quando penetrei a esferográfica / Pela primeira vez, / Nas estranhas linhas do papel”. Poema “Prazer de escrita”.
A literatura de Moçambique... Do pouco que nos chega em obras e notícias esparsas, a literatura daquele país apresenta uma multiplicidade de vozes que se reflete evidentemente na literatura. A crítica literária que se ocupa com a dita lusofonia, é unânime em afirmar que, se a produção moçambicana do período pré-colonial ocupou-se, dentre outros, de temas que faziam com que o toque do tambor clamasse pela Independência, a discursividade literária no período pós-colonial se dá por intermédio de duas fases distintas. A primeira a cobrir um espaço de quase dez anos conta com uma produção que alguns críticos definem como de predominante exaltação patriótica, visto que é centrada em constantes referências a heróis e fatos que se associam ao processo de libertação nacional, numa celebração eufórica do país recém-nascido. A segunda, que se origina em meados dos anos 1980, notadamente na “Geração da Charrua”, revolve os terrenos da utopia interiorizada, e constrói-se, na maioria das vezes, por meio de posições antidoutrinárias e de uma maior heterogeneidade. Seja como for, parece-nos que tais características resultam de fatores históricos a que se somam outros de natureza geopolítica, de viés econômico e administrativo, exacerbados, sobretudo, pela memória dolorosa do regime colonial, de modo que a nação moçambicana vem ainda tentando construir aquilo que poderíamos definir como identidade nacional. Mas é triste perceber que continua uma saga humana de séculos a fio. E nós brasileiros sabemos muito bem qual é. Poema “Utopia do negro”.
“O latinar das suas lágrimas Vagueando sobre o insolente / Corpo de escrava.

Enxergo-te a aparvalhar no calar-se / Da esteira, lagrimejando ao relembrar / A dor dos seus netos levados.

Revestida de milenares de dores / Sobre as pupilas sombrias de barrancos / E choros por onde em barcos e navios / Seu nobre filho embarca / Minha mãe!
Queria sonhar no amanhã / No amanhã que reformasse o meu destino / Que adejasse pelo tempo. / Queria sonhar no amanhã / Que derramasse chuva / E regasse a minha mente.
Para sachar as ervas daninhas Ainda por germinar”.

Escrevemos acima sobre a “saga humana de séculos a fio que nós brasileiros sabemos muito bem qual é”, para lembrar mais uma vez, e quantas outras mais forem necessárias, que as quatro principais rotas dos navios negreiros que ligaram o continente africano ao Brasil foram as da Guiné, Mina, Angola e Moçambique. Elas concentravam o comércio de seres humanos que, na maioria dos casos, eram aprisionados em guerras feitas por chefes tribais, reis ou sobas africanos para esse fim. Os traficantes, principalmente portugueses, mas também de outras nações europeias e posteriormente brasileiros, obtinham os prisioneiros em troca de armas de fogo, tecidos, espelhos, utensílios de vidro, de ferro, tabaco e aguardente, entre outros. Como já dissemos, no início do século XIX, a Inglaterra passou a pressionar Portugal no sentido de acabar com o tráfico negreiro, e muitos traficantes se voltaram para uma rota até então pouco explorada, que partia da África Oriental. Os navios saíam principalmente dos portos de Lourenço Marques (atual Maputo), Inhambane e Quelimane, em Moçambique, e se dirigiam com maior frequência para o Rio de Janeiro. Essa a história “negra” que nos une à história de Moçambique no século XIX.
A história de Moçambique foi se desenrolando aos trancos até que, a partir de 1960, com a nova política colonial portuguesa, as mudanças políticas e a crise do regime de Salazar levaram a várias reformas políticas e econômicas nas colônias, como no caso de Moçambique. Nessa década, diversas manifestações contra o domínio colonial foram feitas no país. Essas manifestações tomaram proporções maiores e mais radicais com o desenvolvimento dos movimentos nacionalistas armados como a FRELIMO, Frente de Libertação de Moçambique, que iniciou a luta armada pela libertação nacional a partir de 1964. Seguiu-se uma guerra civil até que, a 4 de outubro de 1992, a FRELIMO, Frente de Libertação de Moçambique, e a RENAMO, Resistência Nacional Moçambicana, assinaram o Acordo Geral de Paz em Roma, pondo fim a16 anos de conflitos sangrentos. Desde então o país busca se reconstruir. Quanta dor, quanto sofrimento...
Mas eis que de repente, como num fantástico passe de mágica, são encontradas grandes jazidas de carvão metalúrgico e térmico em Tete, centro de Moçambique, que segundo peritos, podem ser as maiores do mundo. Em 2007, a empresa de mineração brasileira Vale, instalou-se na região e pouco tempo depois veio a anglo-australiana Rio Tinto (na altura da chegada chamava-se Riversdale). Além destas duas, várias outras empresas menores estão ativas na região. E hoje, em que pese todo e tantos bilionários investimentos, Moçambique continua a ser um dos países menos desenvolvidos do mundo. Poema “Sou carvão do mineral”:

“Sou negro / Negro que carvão / Que arde tão cedo / Mais que o calor do alcatrão / Sou pedaço arrancado / Nas cifras da escravidão / Com sonhos suicidados / Com chama do mineral
Eu sou carvão / Demolida com os passos da multidão / Meus sonhos patrão / Foram rasgados que nem o cartão / E disfarçados em chamas / Com o poder da minha combustão / Sou carvão de moatize / Com a minha forca electromotriz / Farei de ti / Uma espécie de matriz / E nunca chamar-te-ei de patrão / Mesmo chorando ao pé do vento / Transfigurar-te-ei num pó de pedra.
Eu sou carvão / Que se veste nas manhãs / Para esquentar a sua favorita refeição / Com a força da minha tensão
Eu sou carvão / Pedra mais rígida da multidão / Que vem do mineral”.
Tudo indica que os grandes projetos e investimento para a área do complexo mineral energético, não geraram os níveis de emprego nem tampouco as ligações necessárias com o resto da economia para dinamizá-la como um todo, e propiciar o desenvolvimento efetivo no país: Poema “Menino Moçambicano”

“Ó menino africano / Semente moçambicana / Com rosto solitário / Tremendo de frio / Em volta dos raios solares / Coitado! Vivendo sem lar / No relento dos esgotos / Escondendo seu rosto
Nas noites gritando / “Afaste de mim esses escolhos” / Sem esperanças nos olhos / Sozinho e desesperado
Chorando a dor incessante / Sem um teto acolhedor / Esmagado pelas doenças na hora / Antes que a mão amiga o socorra / Sem amparo nas madrugadas / Dorme exprimido nas ruas / Com o deserto no estômago / Enxergando a lua.
Chorando por pedaços de pão / Quais aqueles / Que jogam para o selvagem cão / Chora, grita e sonhas / Tão alto meu anjo”.
Que dizer? Que pensar ainda de um poema como “Cíntia”?

“Menina dos olhos verdes / Que hoje veste a sepultura negra Dessas avenidas / Tão ingênuas e fingidas / Queria dizer, isonicas e erguidas Como a pele escravizada,
Da minha menina.

De cabelos esparramados / Como as gangues da floresta pristina / Prematura, transformou-se / Num prato de xiguinha, de saias curtas / Amarelas e vermelhinhas
Rasgando o sorriso das madrugadas”.

Há relatos registrados pela historiografia brasileira, de que alguns africanos eram embarcados para o Brasil debaixo de um medo terrível de que, uma vez aqui, e não obediente aos seus senhores, seriam devorados por feras mitológicas. Mudam-se os cenários mais o fundo é o mesmo. Exploração pura e simples. A Moçambique de hoje profundamente marcada pela guerra civil, relativamente recente, quer a “paz” interna ainda que isso signifique a acumulação do grande capital em desfavor das outras pessoas, sobretudo da maioria da população. É receita para uma explosão violenta. Como se a voz dos que são prejudicados, dos que perdem no processo social valesse menos do que a paz.
Não há mais guerra civil declarada em Moçambique - e não somente lá, alguns países africanos estão em situação similar, guardadas as proporções, evidentemente- , mas inegavelmente há um potencial enorme de violência social: o desemprego é grande, educação deficiente, morrer em centros de saúde por negligência ou mau tratamento é também violência social, ser tirado da sua terra e depois não conseguir emprego é violência social. Todas essas formas de violência social estão presentes diariamente. E isso não é paz.
Poema “Chora África”

“São corpos tampados pela terra / Inocentes sequestrados pelas águas / Pobres mendigos, meninos desamparados / Passando noites e madrugadas / Sem que ninguém os socorra / Escravizados pelas febres na hora.
Chora, continente negro! / São noites e perdas nos hospitais / Sonhos destruídos no alto dos altares / Violência doméstica / E hastes de maldade no Save / Guerras e o chamar das armas em muchungwe.
O continente degrada”.
SOMOS TODOS PRISIONEIROS AFINAL ?

É pergunta que fica a latejar em nossas mentes ao ler um poema como “Prisioneiros da África”

“Somos escravos sim! / Escravos da África, da Ásia e da Europa / Que bebemos aos corvos de / sangue / Miscigenado / Que escorre dos nossos olhos.

Somos escravos / Invasores dos campos / E pastores de manada de bois / Somos mesmo pobres pescadores.

Erguemos atrás da liberdade / Com as mãos atadas, de redes e anzóis Carregadíssimos nos ombros / Somos escravos sonhadores!
Escravos camponeses e agricultores / Que lutamos pela liberdade do nosso Povo”.

Da literatura moçambicana e do pouco que conhecemos no Brasil, ressoam os gritos de liberdade de um José Craveirinha um dos autores centrais da literatura de Moçambique – e de toda a língua portuguesa, que inseriu em sua obra palavras das línguas nativas, inverteu elementos da oração, injetou o sangue, a cor da pele, o trabalho forçado, a paz do dito “homem de bem” conquistada à custa de mulheres e homens africanos. Ouvimos ainda a voz de um Mia Couto com sua vibrante preocupação com a identidade dos povos africanos e sua obra a abordar o conflito entre a imposição dos valores coloniais e os valores tradicionais, não esqueçamos ainda de Carolina de Sousa Soares considerada a “mãe dos poetas moçambicanos”, que fez amizade com Jorge Amado, a quem dedicou um poema. Sobre a similitude entre as duas nações, que comungam a língua portuguesa, ela escreveu: “Aqui, nesta povoação africana/ O povo é o mesmo também/ É irmão do povo marinheiro da baía,/ Companheiro de Jorge Amado,/ Amigo do povo, da justiça e da liberdade”, Ungulani Ba Ka Khosa e sua literatura que reafirma as raízes identitárias de Moçambique e finalmente não se pode deixar de registrar os incansáveis esforços que nosso amigo, o escritor Delmar Maia Gonçalves vem fazendo atualmente à frente do Círculo de Escritores Moçambicanos na Diáspora (CEMD) sediado em Lisboa. Por meio de quanto lhe está ao alcance Delmar é outra voz ativa a divulgar a literatura moçambicana. A essas vozes se junta a do jovem Ernesto Moamba que traduz em versos os anseios de seu povo:

Poema “Se o negro morrer”.

“Se o negro morrer / Não se ponham de colo a lamentar / Não chorem pelos cantos dos altares / Nem percam lágrimas de granito a sangrar / Sorriam, riam até a multidão se exaltar / Até o orvalho de dia acordar / E a terra dorminhoca inundar.

Se o negro morrer / Não disfarçem a tristeza / Tragam os batuques e tambores / Difundam pelos jornais e revistas / Seduzam a ânsia da Europa e da Ásia / Para comemorar / Vistam os vestígios de mim que sobrarem / Banhem seus pés, em meus sapatos / Rotos que restarem caso o negro Moamba morrer não chorem Porque este será o seu inicio e o seu fim”.

Livro: Liberta-te, mãe África – Poesias, de Ernesto Moamba, Editora do Carmo – Brasília, 2016, 113 p.
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