Toni 18/04/2024
The hours [1998]
Michael Cunningham (EUA, 1952-)
Farrar, Straus & Giroux, 1998, 232 p.
Esta releitura calhou de ser, tb, uma oportunidade de reavaliação de uma obra que não havia me causado grande impressão após a 1ª leitura, sobretudo frente à adaptação de 2002 ainda hoje considerada meu filme favorito. Por muito tempo achei o livro, em vários aspectos, um “original” aquém de sua cópia fílmica: a edição, a trilha sonora, as rimas imagéticas e os paralelismos entre cenas e atuações elevaram a outro patamar de excelência a proposta literária de Cunningham. Hoje entendo que aquilo que parecia faltar ao livro sempre esteve lá, mas de forma menos explícita.
As horas apresenta 3 núcleos de personagens em diferentes tempos e lugares. No 1° deles, acompanhamos a escritora inglesa Virginia Woolf durante um dia de junho de 1923, quando começa a escrever um de seus romances mais célebres, “Mrs Dalloway”. No segundo, Laura Brown, dona de casa na Los Angeles de 1949, começa a ler o referido romance de Woolf enquanto se prepara para encarar mais um dia entre a panóplia suburbana e a asfixia que essa mesma panóplia lhe provoca. Já o último núcleo nos apresenta a Clarissa Vaughan, na Nova Iorque de fins do séc. XX, ocupada com os preparativos de uma festa (tb premissa do romance de Woolf) que dará para seu amigo Richard, escritor laureado com um importante prêmio literário.
Fazendo uso de uma estilização que se apropria do fraseado, do vocabulário e de técnicas como o fluxo de consciência presentes em Woolf, o texto de Cunningham constrói as vidas dessas 3 mulheres a partir de pequenas erosões a princípio imperceptíveis mas que vão se tornando cada vez mais ameaçadoras dos confortos, certezas e, em última análise, de suas existências. Entrelaçadas aos desdobramentos de "Mrs Dalloway", os percursos de Clarissa e Laura são como faces opostas de uma mesma moeda (um aclaramento recíproco): trajetórias marcadas pelo alijamento de si e pelo cuidado do outro. Um romance pungente em cujo centro se enfrentam pulsões de vida e de morte, articuladas umas e outras por aquela dor inerente aos arbítrios do abandono e da liberdade.