Rafaela Mendes 26/05/2019
Alias Grace: um passado que toca o agora.
Este é um romance de ficção inspirado em um fato real de um famoso assassinato ocorrido no Canadá em 1843, graças a uma pesquisa histórica magnifica realizada pela autora e colaboradores. O caso mobilizou a opinião pública da época, noticiado em vários jornais e livros. É a história de uma assassina famosa, ou talvez, uma injustiçada famosa.
“Alias Grace” [Vulgo Grace] da escritora canadense Margaret Atwood é o tipo de romance que nos deixa confusos, indignados e interessados. Ousaria dizer que é uma sensação semelhante à de ler “Dom Casmurro” de Machado De Assis, claro que a obra machadiana mais famosa tem particularidades que romance nenhum conseguiu causar (pelo menos não em mim, (kkk) amo “Dom Casmurro”). “Alias Grace” me fez sentir uma inquietação semelhante, pois a trama é sobre uma mulher cheia de dubiedades, assim como a nossa Capitu.
A história é sobre uma jovem irlandesa chamada Grace Marks, que migra no século XIX para o Canadá com a família, que é bastante pobre. Com a morte da mãe e com as violências sofridas pelo pai alcoólatra, ela se sente desamparada na nova terra, tendo que cuidar de seus irmãos mais novos. Seu pai acaba a mandando trabalhar como criada em casa de gente abastarda na cidade de Toronto, a fim de ela provir dinheiro para a casa. Á partir daí a personalidade capciosa de Grace Marks começa a se construir para o leitor. Com apenas 14 anos ela vai trabalhar e conhece uma jovem um pouco mais velha que ela chamada Mary Whitney com as quais vários temas serão desenrolados na narrativa, tais como aborto, revolução canadense, feminismo (Se é que podemos usar esse termo na época, seria então o que hoje chamamos de características feministas. Sem anacronismos, pessoal kkk), amizade, espiritualidade, hipocrisias e convenções sociais na América do Norte durante século XIX etc.
Com a morte dessa amiga que teve forte presença em sua vida, Grace vai trabalhar numa propriedade no campo (um pouco distante da cidade de Toronto) sobre o comando de um homem maduro chamado Sr. Thomas Kinnear e de uma governanta chamada Nancy Montgomery. Ambos são brutalmente assassinados e os suspeitos são James McDermott (empregado da fazenda do Sr. Kinnear) e a doce e intrigante Grace Marks. Daí em diante a vida de Grace toma rumos mais sofridos ainda. Ela é condenada a prisão perpetua, mas nada é totalmente provado a respeito de seu envolvimento nos assassinatos. Até que um médico norte-americano de nome Simon Jordan chega para investiga-la psicologicamente e aí a história ganha todo o ar magnificamente intrigante, característico da autora. Entre conversas e regressões ao passado nas seções de consulta com Dr. Jordan, a provável assassina conta toda a sua história alegando lapsos de memória em alguns momentos.
Todo o livro é permeado por feedbacks, trecho de poesias famosas, cartas e partes do processo e testemunhos sobre o crime. Uma verdadeira pérola de narrativa!
Grace é inocente ou culpada? Bom, não dá pra ter nenhuma certeza antes das 250 páginas. E é angustiante essa incerteza, ao mesmo tempo em que é encorajadora e impossível de largar até o final.
Esse romance toca em questões absolutamente atuais, nas suas entrelinhas rodeadas de frases e conclusões primorosas. É uma leitura emocionante e ao mesmo tempo passiva, em vista a personalidade da protagonista.