Gabriel 14/10/2021
Espaços em branco de uma Didion radicalizada
O parágrafo inicial do ensaio que dá título ao livro também define a tônica do livro: "Contamos histórias para poder viver". Didion, muito aclamada por sua capacidade analítica no mundo, parece, em todos os ensaios dessa coleção, enfrentar um desafio enorme, especialmente para os escritores: o desafio de não conseguir impor ordem a um mundo caótico e desordenado. Contamos histórias para poder viver, ela diz, porque é contando histórias que organizamos o mundo, que condensamos o mundo na linguagem.
O Álbum Branco é uma coleção de histórias contadas a partir de ensaios reflexivos e autobiográficos, mas que parecem, em muitos momentos, esparsas, soltas, sem conclusão. Não é por acaso. A própria narrativa utilizada por Didion nos ensaios escancara um problema subjacente, que é o problema de um mundo fantasmagórico, em que o controle e a coesão parecem ruir. Em várias passagens, Didion vai retomar o uso daquilo que a consagrou em Rastejando até Belém: o uso de imagens e emblemas, por meio da justaposição de situações sem aparente conexão, para, como que em uma montagem, oferecer ao leitor uma visão mais ampla do assunto. O que ela não faz, no entanto, é tirar conclusões dessas montagens. Se em Rastejando até Belém (o livro de ensaios anterior, um dos seus maiores sucessos) Didion ofereceu respostas - e várias delas estavam incorretas, como se viu mais tarde -, em O Álbum Branco Didion deixa as conclusões em suspenso: são narrativas de final pendente, de compreensão ainda impossível.
O crítico Louis Menand chamou essa transformação de "A radicalização de Joan Didion". Há uma escritora que se apoia quase que integralmente na sua capacidade de contar histórias, de dominar a linguagem para enxergar o mundo com exatidão, e que, neste instante, vê o mundo mas não o decifra. O poder de O Álbum Branco reside justamente nos espaços deixados por Didion - espaços em branco - para que o leitor participe ativamente da construção de sentido, dentro de um mundo que já não é mais explicado, próprio da modernidade.
site: https://www.newyorker.com/magazine/2015/08/24/out-of-bethlehem