Diolindas

Diolindas Ronaldo Cagiano




Resenhas - Diolindas


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Krishnamurti 01/05/2017

Uma colcha de retalhos da aventura humana...
“Diolindas”, romance escrito a quatro mãos por Eltânia André e Ronaldo Cagiano traz, grosso modo e resumidamente, a história de uma simples costureira do interior do Brasil, que após sua morte tem a vida revisitada por uma de suas filhas. Os autores mostram-se exímios na arte de entrelaçar pontas, de desenvolver ficcionalmente o que no princípio fica insinuado. Propõem o mistério de uma situação invulgar e, ao mesmo tempo, e com o desenrolar do enredo vão expondo os mistérios das personalidades envolvidas. Aí o pólo irradiador da trama.
“Quando os primeiros sinais de uma cegueira intermitente me trouxeram pavor e incerteza, criando instabilidade e insegurança, comprometendo a minha liberdade, comecei a me preparar para algo tenebroso. A sensação de encruzilhada era real e tormentosa. Era chegada a hora de um acerto de contas, voltar-me à vida que havia deixado para trás há alguns anos.” P. 19.
Este o conflito latente de Bel a protagonista (filha da costureira Diolinda), que refletirá ou interpretará a matéria-prima, que é a personagem Diolinda. A filha uma mulher que se emancipou, fez carreira como estilista em Paris. A mãe uma costureira simples, que viveu enclausurada na estrutura patriarcal brasileira dos anos cinqüenta do século vinte, quando solteira, engravida. Doces ternuras violentadas pelo meio hostil. Histórias que se entrelaçam com outras tantas e que vão constituir uma imensa colcha de retalhos da aventura humana. Melhora e amplia ainda mais as perspectivas de compreensão de um tal entranhamento de histórias, o cenário sócio-político brasileiro e mundial do período em que a história se desenvolve. Mais ou menos de 1935 a 2008. Salientamos pela percuciência da análise política, dois capítulos: “Fibra de vidro” a comentar o governo de Fernando Collor e a trajetória do PT e Lula no capítulo “Lã de escória”. Dois momentos grotescos da história brasileira recente. Vale muito a pena ler, refletir, e não esquecer, antes de sairmos matando-nos uns aos outros, como estamos prestes a fazer...
Da morte para a vida, voltemos ao livro. Até porque o que o que verdadeiramente importa não é a morte dos homens mais sim, como viveram. Lembramos o óbvio. Deolinda está morta. Dentro do que acreditamos ou fingimos acreditar, pela maneira como vivemos, Deolinda pôs-se afinal a salvo de tudo. Sacudiu o fardo de seus ombros.
A obra flagra também o confronto de gerações num mundo que começa a erigir novos valores em detrimento de outro mundo que o julga com preconceito, sobretudo o de natureza sexual. Mas aí está: permanece para a humanidade a insuficiência de significados alicerçados em convicções consoladoras. Perdura no caso específico da protagonista Bel (sintomático portanto), o sentimento da inutilidade da existência. Substituímos o que era ruim, pelo nada absoluto, quem sabe?
“Uma sensação desconfortável diante do escuro que atormentava minha alma – a abundância de pensamentos, eles fervilhavam como bolhas no pântano. Sobre mim a noite difusa, imagens sortunas que me aniquilavam, enquanto eu encarava o imenso e fúnebre pesadelo da perda. Não conseguia entender o ciclo da vida. Era essa insegurança, esse desatino, esse medo instaurado compulsoriamente em meus sentidos. Conjeturo sobre o mistério da existência e não encontro respostas. A verdade fragiliza a esperança. Ela vem de uma única vez e não tenho forças para enfrentá-la. Há uma coleção de culpas, e na guerra contra a finitude todos os argumentos quedam impotentes, enquanto só podia contemplar de dentro a liberdade que plasmava do outro lado. E depois, o imenso vazio de tudo, a fulminante certeza de não pertencer a lugar nenhum” p. 37.
Ponto alto do livro é o trecho que, dentro de uma perspectiva que mescla a sofrida existência de Diolinda com a interpretação feita por Bel. Desse mesmo sofrimento, emerge uma visada sobre o efeito do tempo e da memória sobre o ser: “Cada lugar é a denúncia silenciosa envenenando o silêncio, e torna-se o espólio das perplexidades. O campo em torno é colônia de lágrimas, territórios do inexistente, em que o passado, sem modéstia, não sossega, ruína sem igual, consórcio com o inevitável, e ele nos rói como cupim: monte de tijolos, casas destelhadas, o gradil das janelas, o batente das portas, a madeira resistente das cumeeiras, os mourões das cercas. Tudo se resume em ausência e fracasso, provavelmente foram servir de combustível para os fogões a lenha que ainda havia nas casas, e sobrevivem ao canto avassalador da modernidade”. P.129
Em meio ao sofrimento de tantas outras perdas somadas à da mãe, a protagonista vive um mundo que não é o seu, um mundo que não a satisfaz: “... porque a velocidade da era moderna, com fetiches, embalada pelo consumismo, nos converte em números e cifras. Prefiro a paz do interior, saber o nome das pessoas”. P.161.
Até que surgem lampejos de reação. E afirmamos sem medo de errar; ela sempre virá para quem assim o deseje: “Bel fez-se à sombra do que imaginava querer Diolinda, mas sendo a outra, viu-se também esquartejada, aos pedaços espalhados por um caminho postiço, e agora que percebia a sua própria ausência, como seriam as manhãs? P.159, e: “Creio que a consciência de nossa finitude, por algum tempo despertou-me para a verdadeira dimensão de nosso estar-no-mundo, de modo a torná-lo menos vazio e mais produtivo”. P.152.
Diolinda, Pedro, Ricardo, Tio Chico, Bel, Lurdinha, Vânia são as personagens/retalhos mais evidentes da colcha. A vida os costurou, inexoravelmente. Como sói acontecer com todos os que nos atravessam os caminhos da existência. Mas há também a identificação de outro fio que é tecido pela vida e que nos une num entrelaçamento supremo, magistralmente sugerido pelos autores (grande mérito do livro): os fios da existência nos entrelaçam a todos indistintamente num só tecido, esta a “súplica que vem de longe, de muito longe, do íntimo das coisas, do fundo das eras”...
Nelson de Oliveira no Prefácio á obra salienta que os autores conseguiram o raro feito de, a quatro mãos, escrever uma obra “com sintonia e equilíbrio, harmonizando forma e conteúdo”. Na orelha da obra se afirma sobre o livro: “Vivências que dizem respeito à nossa própria condição, às vicissitudes do quotidiano e aquela ancestral luta em que cada ser, feito Sísifo redivivo em intimorata repetição, busca vencer a poeira do tempo, comunicar suas dores & delícias e enganar a morte”.
Albert Camus, em seu ensaio “O mito de Sisifo” introduz sua filosofia do absurdo: o do homem em busca de sentido, unidade e clareza no rosto de um mundo ininteligível desprovido de Deus e eternidade (?). Será que a realização do absurdo exige o suicídio? Camus responde: "Não. Exige revolta". Revolta entendida, acrescentamos nós, como luta. Por duas razões bem simples: A primeira é uma constatação, por mais que a neguem: “Há mais força na erva que cresce em cima de uma sepultura do que toda verdade científica”. E a segunda; uma exigência da própria vida. O “mundo está aí, um permanente desafio a exigir firmeza e esperança”.

Livro: “Diolindas” – Romance. De Eltânia André e Ronaldo Cagiano. Editora Penalux, Guaratinguetá-SP- 2017, 190p.
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Penalux 16/10/2017

A força de Diolinda
A vida vai sendo construída em uma linha de tramas irregular, de altos e baixos, muitas vezes, mais baixos que altos. O tempo traz a frustração dos planos desmanchados nas areias pedregosas da vida.
Neste sentido, “Diolindas” é uma reconstrução da história de uma mulher, sobre o ponto de vista das memórias de sua filha, na qual os desejos femininos vão sendo limitados nas restrições que a própria vida parece rasgar do tecido da existência.
Cada história de cada personagem parece se amarrar a outra, como uma linha caudal de sucessões e miscelâneas, que juntas ensaiarão uma poderosa reflexão sobre a existência e tudo o que lhe diz respeito, seja para juntos construírem uma compreensão mais passiva, de aceitação para as turbulências da vida, ou para causar revolta diante das sentenças que o destino dá para as pessoas mais fragilizadas, diante de um cenário político-econômico seletivo.
A história que começa narrada pela filha de Diolinda será também exposta sobre a ótica dos olhares de outros personagens. A vida de cada um destes membros da ficção irão se envolver e se ligar por uma lógica do destino, às vezes sábia, às vezes irônica, às vezes cruel.
As conjeturas históricas serão desenhadas por um cenário político de conflitos, no qual Diolinda aparecerá como mulher forte que rema contra a maré. Os obstáculos quererão inundar o pequeno repositório de esperança, que esta mulher cultiva, pela força de sua resiliência, porém. No entanto. Não a poderão derrubar.
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