Giovanna.Takahashi 23/05/2023
Se os anjos falassem?
Um tributo aos amantes de livros.
? ? Quando eu morrer, tudo o que é meu será seu, Julián. ? Dizia o rapaz ? Menos os sonhos.?
Como sequer começar a explicar o quanto eu amo este livro?
Sou incapaz de expressar plenamente a profundidade com o qual esta obra me emocionou. Simplesmente careço das palavras dignas para descrever a jornada que vivenciei por estas páginas, portanto, deixarei que o autor o faça por mim:
?Passo a passo, a narrativa se estilhaçava em mil histórias, como se o relato percorresse uma galeria de espelhos, sua identidade produzindo dezenas de reflexos díspares e ao mesmo tempo um único. [?] mergulhei em um mundo de imagens e sensações que jamais havia conhecido. Personagens que pareciam tão reais como o ar que respiramos me arrastaram por um túnel de aventura e mistério do qual eu não podia escapar. Página por página, deixei-me levar pelo sortilégio da história e de seu mundo, até que o hálito do amanhecer acariciou minha janela e meus olhos cansados deslizaram pela última página. Deitei-me na penumbra azul da madrugada com o livro sobre o peito e fiquei escutando o som da cidade adormecida pingar sobre os telhados salpicados de púrpura. O sono e a fadiga queriam me derrubar, mas eu resistia. Não queria perder o encantamento da história nem dizer, ainda, adeus aos personagens.?
Esta é uma obra que parece ter sido escrita em outro tempo. Se ignorada a sua data de publicação (2001), poderia ser facilmente confundida com um romance do século XIX. Seu erudito vocabulário, sua etérea prosa ? como uma alma antiga aprisionada nas páginas do presente ? bem como a tragédia do seu enredo, são dignos da magia e genialidade da literatura clássica. Obras dessa magnitude são diamantes cada vez mais raros, descendentes de uma literatura em extinção que parecem conseguir sobreviver somente entre as capas dos clássicos consagrados pelo tempo.
Confesso que levei mais tempo do que o previsto para terminar este livro. Porém, tal demora não foi em decorrência da lentidão da narrativa ou de alguns empecilhos na formalidade de sua linguagem, mas simplesmente porque a escrita de Záfon era tão deslumbrante que, assim que concluía uma página, era imediatamente tomada pela vontade pungente de relê-la outra vez. Houve trechos em que precisei reler quatro vezes antes de conseguir forçar a mim mesma a prosseguir com a estória, apenas porquê não desejava perder o eco daquelas palavras, nem o sortilégio que as envolvia. A arquitetura magistral com a qual o autor estruturou sua prosa, a delicada poeticidade com a qual ornamentou cada uma de suas frases e esculpiu cada um de seus parágrafos, me faz acreditar que Carlos Ruiz Záfon tinha a alma dos poetas que conhecem a língua perdida dos Anjos.
Para além disso, o autor também mostrou-se mestre na arte de forjar personagens cativantes. Enigmáticos, como se rodeados sempre de brumas, recônditos em suas próprias sombras, complexos em seu desespero e agonia. A forma como costurou e entrelaçou cada uma de suas vivências, seus passados e, inevitavelmente, suas tragédias, partiu meu coração em mil pedaços.
?Cada livro, cada volume que você vê, tem alma. A alma de quem o escreveu e a alma dos que o leram, que viveram e sonharam com ele. Cada vez que um livro troca de mãos, cada vez que alguém passa os olhos pelas suas páginas, seu espírito se expande e a pessoa se fortalece. [?] Quando uma biblioteca desaparece, quando uma livraria fecha as portas, quando um livro se perde no esquecimento, nós, guardiões, conhecemos este lugar, garantimos que ele venha para cá. Neste lugar, os livros dos quais já ninguém se lembra, os livros que se perderam no tempo, viverão para sempre, esperando chegar algum dia às mãos de um novo leitor, de uma nova alma. Na loja, nós os vendemos e compramos, mas na verdade os livros não têm dono. Cada livro que você vê aqui foi o melhor amigo de um homem.?
Em resumo, acredito que Záfon construiu, em um engenhoso drama metalinguístico, um verdadeiro tributo à magia dos livros, ao poder duradouro das estórias e à imortalidade dos autores que as eternizam com suas penas. E, por isso, sou eternamente grata pelo privilégio de ter encontrado e me apaixonado pela sua obra. Existem histórias que nos acompanharão pela nossa vida inteira e sei que esta será uma delas. Mal posso esperar o dia em que farei sua releitura e reencontrarei entre suas páginas o aconchego de um velho amigo.