Lucas M. 12/01/2020
Já no primeiro verso de “Dentro da noite veloz”, Gullar deixa vislumbrar a essência do que foi, provavelmente, o seu livro de poemas de maior teor sociopolítico já escrito: “Meu povo e meu poema crescem juntos”. Bem como no livro, aqui vale uma analogia oportuna com o crescimento e as manifestações de um organismo vivo, pulsante, que toma emprestada a voz de um povo para verbalizar as mazelas, o desconforto e o sufocamento frente a temas que são caros à sociedade, tais como a fome, as guerras, as disparidades sociais e a opressão.
Gullar não se limita ao contexto sociopolítico brasileiro, mas explora, como em “Por você por mim”, um dos mais extensos poemas deste livro, os absurdos da guerra do Vietnã, ou em “Dentro da noite veloz” a revolução cubana e seu mártir e a América Latina. É reducionista, no entanto, tratar este livro como vorazmente político. O lirismo para tratar das trivialidades cotidianas e dos afetos está presente e figura em profusão.
Embora lançado em 1975, o repertório remanesce insolitamente atual, como em “Boato”, em que uma estrofe traduz a urgência frente à necessidade imperativa de manifestações dessa natureza: “Como ser neutro, fazer/ um poema neutro/ se há uma ditadura no país/ e eu estou infeliz?”.