Gigi 03/07/2017
Os analógicos contra-atacam
Sabem aquele livro que te reconforta? Que você lê e tem a sensação de que recebeu um abraço apertado? Que te dá a certeza de que o mundo não caminha para o precipício? Esse livro é A vingança dos analógicos: por que os objetos de verdade ainda são importantes, do jornalista canadense David Sax.
Para alguém que ama livros impressos desde criança, o mundo digital (apesar de seus inúmeros benefícios) é muitas vezes frustrante. Compartilho do pensamento de Sax, quando resgata a paráfrase que Temkin faz de David Foster Wallace: “as mídias sociais digitais são a estética da solidão”. Em tempos de instantaneidade, a gente se deprime por todos os relacionamentos que enfraqueceram em meio a clicks e mensagens do WhatsApp. Pelos encontros de familiares e amigos que se tornam escassos. Por todo o tempo perdido nas redes sociais – instantes que poderiam ser mais aproveitados com a contemplação do céu e das estrelas, com sorrisos e olhares reais.
O que você faria se houvesse uma pane mundial (ao estilo do bug do milênio) e todos os computadores pifassem? E se o mundo instantaneamente ficasse desconectado e nós só conseguíssemos nos comunicar por telefone e cartas? E se todos os dados que colocamos na rede (fotos, mensagens), se toda a nossa memória digital se perdesse em um instante?
Nesse cenário fragmentado de conexões digitais, o livro de Sax se destaca. É precioso. O jornalista viajou pelo Canadá e pela Itália, consultou inúmeros especialistas e pesquisou em diversos documentos para afirmar: é tempo de vingança dos analógicos, sim! O vinil, o papel, o filme e os jogos de tabuleiro retornaram com intensidade para as nossas vidas.
As remessas de LPs aumentaram de 990 mil em 2007 para mais de 12 milhões em 2015 nos Estados Unidos, segundo a Recording Association of America. E o crescimento anual permanece alto com taxas de mais de 20%. Músicos e bandas passam a procurar estúdios de gravação analógicos. Os cadernos Moleskine fazem sucesso no mundo inteiro com a sua promessa de potencialização da criatividade. A lomografia impulsionou a fotografia analógica e com a venda da unidade Instax (a câmera instantânea da Fuji), o departamento de imagem da Fujifilm voltou a dar lucro em 2014. Os jogos de tabuleiro voltam a ser procurados e surgem os cafés de jogos de tabuleiro.
Essas são algumas informações que Sax fornece, em meio a entrevistas com especialistas e pessoas envolvidas no universo de cada um desses meios analógicos. A linguagem do livro é simples e envolvente. A obra também te surpreende pelos dados que Sax coletou, os quais derrubam muitos mitos sobre a morte dos analógicos (como a morte do livro impresso, por exemplo).
O livro de Sax nos mostra que mais do que o deslize dos dedos por uma tela, que nos dá acesso a uma vida mediada, a humanidade anseia por mais presença. Por materialidade. Pela proximidade do toque.
O jornalista canadense também nos leva pela vingança das ideias analógicas. Sax discute alguns contra-ataques: do impresso, do varejo, do trabalho, da escola e dos analógicos no digital. Essa segunda parte do livro nos mostra como grandes ideias muitas vezes exigem meios e processos analógicos para a sua concretização, como no caso das escolas, por exemplo.
Esse tópico em particular me emocionou bastante, por ser estudante e professora, por um dos dias mais felizes da minha vida ter sido o primeiro dia de ir para a escola e por ser a louca dos livros que sempre fui. Por isso, em homenagem a todos os nossos mestres (e para deixar vocês com vontade de ler o livro), compartilho esse trechinho da obra com vocês:
“Quando penso nos vinte anos que passei estudando, o que fica na memória não é uma matéria específica, uma ferramenta de aprendizado ou uma sala de aula. São os professores que trouxeram a educação à minha vida e guiaram meus interesses adiante, de forma que a minha paixão pelo ensino continuasse, apesar dos longos dias, das cadeiras duras e dos problemas difíceis. Esta mulheres e estes homens eram gigantes. Eram mal pagos e aguentavam todo o tipo de merda, mas me tornaram a pessoa que sou hoje bem mais do que os fatos que me ensinaram. Essa relação é o que a tecnologia de educação digital não pode reproduzir ou substituir e é por isso que um grande professor sempre irá prover um modelo mais inovador para a educação do futuro do que o dispositivo, o software ou a plataforma mais sofisticados” (p. 240).
A gente vê por esse trechinho que o mundo digital não supre a nossa necessidade de presença. De construir e fortalecer relações humanas verdadeiras. De conexões de carne e osso.
Deve ser por isso que as pessoas andam tão doentes. Talvez porque perderam elas mesmas no fluxo avassalador de dados e informações da rede.
Quem sabe os analógicos são a solução. Eles podem ajudar na nossa recuperação. No nosso reencontro com a gente mesma.
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