Flávia Menezes 03/10/2023
O SOM E A FÚRIA QUE NASCEM DESSAS VINHAS DA IRA.
?Sul e Oeste? é um diário de viagem que foi publicado originalmente em 2017, e fala da experiência vivida pela jornalista, ensaísta e escritora Joan Didion em uma viagem de carro que ela fez com o seu marido, John Gregory Dunne, através da Louisiana, Mississippi e Alabama a caminho do Oeste, em 1970.
Sobre essa viagem, Joan mantinha cadernos com diálogos, entrevistas, rascunhos de ensaios e cópias de artigos, que quando colocados juntos formam essa visão penetrante da paisagem política e cultura estadunidense dessa época, onde o preconceito racial ainda era marcante (se é que um dia deixou de ser).
A motivação que estava por trás dessa viagem a Costa do Golfo, Joan Didion contou em uma entrevista que fez para a Paris Review, em 2006:
?Eu tinha uma teoria de que se pudesse compreender o Sul, compreenderia algo sobre a Califórnia, porque muitos dos colonos da Califórnia vieram da Fronteira Sul?.
Transcrevo essa fala da Joan, porque enquanto eu lia seus relatos sobre o Sul, a todo instante me vinha à mente o romance clássico do escritor John Steinbeck, ?As Vinhas da Ira?, que fala sobre a odisseia vivida por famílias pobres do Sul que tiveram que deixar sua terra e sua história para ir em busca da promessa do ?sonho americano? que o Oeste lhes fazia. E é essa força da identidade sulista dos Estados Unidos estava presente em cada relato de um entrevistado por Joan.
Aliás, não é só a alma da escrita desse meu escritor preferido (John Steinbeck) que estava presente nesse livro de não-ficção de Joan Didion, mas também de outro dos meus autores prediletos cuja escrita me encanta profundamente, que é um dos maiores nomes por trás dos romances clássicos estadunidenses: William Faulkner!
Uma das primeiras cidades que Joan visita é New Orleans, e é inevitável pensar nela sem lembrar das cenas marcantes e repletas da carga emocional que Faulkner imprimiu em ?Absalão, Absalão!?. A sensação que dá é que logo ouviremos a voz de Quentin Compson nos contar sobre a tragédia que aconteceria logo após as descobertas feitas pelo filho de Thomas Sutpen da vida secreta que o noivo de sua irmã escondia nas ruas de New Orleans.
Mas falar de William Faulkner não é uma mera coincidência aqui. Joan Didion descreve como as bibliotecas eram repletas pelos romances do autor, que tanto consagram a imagem sulista do país. Aliás, uma das viagens feitas por Joan incluiu um tour até Rowan Oak, em Oxford, no Mississippi, para conhecer a casa onde morou William Faulkner, além de uma procura pela lápide do autor no cemitério onde ele foi enterrado.
?Li um livro sobre Faulkner em Oxford, entrevistas com seus concidadãos em Oxford, e fiquei profundamente afetada pela hostilidade dessas pessoas para com ele, e pela maneira como Faulkner conseguiu ignorá-las. Pensei que se tirasse uma cópia de sua lápide, uma lembrança deste lugar, saberia, toda vez que olhasse para ela, que a opinião dos outros não contava muito, de uma forma ou de outra.?
Uma bela passagem de muitas desse livro com um clima perfeito de western, que muito nos ensina sobre uma região dos Estados Unidos que tem uma história tão forte, de uma identidade marcada por muita luta, mas também de um preconceito racial tão brutal.
Apesar da grande paixão que eu tenho sobre histórias do Sul, e do deleite que foi mergulhar nas histórias contidas nesse livro, só não tenho como dar uma nota maior porque o livro é muito curto e são apenas fragmentos de uma vida tão rica, que me senti muito frustrada por querer que ela tivesse ido muito além dos relatos contidos nessas páginas.
Mas, ainda assim, esse é um livro delicioso onde pude recordar um pouco mais sobre a parceria e o amor desse casal (J & J) que eu comecei a amar desde que li ?O Ano do Pensamento Mágico?, também da autoria de Joan Didion.
E exatamente por ser esse um casal tão apaixonante, encerro com uma das frases em que podemos sentir esse poder do companheirismo que era tão característico do John e Joan, e que dá início a essa fantástica jornada:
?John e eu morávamos na Franklin Avenue, em Los Angeles. Eu queria revisitar o Sul, então viajamos para lá por um mês em 1970. A ideia era começar em Nova Orleans e a partir daí não tínhamos nenhum plano. Fomos aonde o dia nos levasse. Parece até que posso me ver ao lado dele, enquanto John dirigia. Eu não voltava ao Sul desde 1942-43, quando meu pai trabalhava em Durham, Carolina do Norte, mas não parecia ter mudado muito. Na época, eu cheguei a pensar que isso não passava de uma peça que a região nos pregava.?