Inácio 17/02/2010
A Mulher Habitada, resenha do Caótico (www.caotico.com.br)
Falta livro escrito por mulheres nesse blog. Na verdade, minhas prateleiras ainda não foram beneficiadas pelas políticas de cotas, pois na hora de comprar livros não considero as “questões de gênero”, o que vale é a possibilidade do livro proporcionar prazer e me ajudar a transformar informação em conhecimento. Como tenho muito mais livros escritos por homes do que por mulheres, então não tem jeito, os textos do blog irão refletir essa relação desproporcional.
Esse nariz-de-cera todo aí em cima foi para apresentar A Mulher Habitada, primeiro romance da poetisa nicaragüense Gioconda Belli, que já era uma poetisa consagrada em seu País quando lançou o livro. Foi o primeiro livro dela lançado no Brasil, mas depois a editora Record lançou também O País Sob Minha Pele.
A Mulher Habitada é um livro sobre as lutas das mulheres e sobre as mulheres que lutam. Não sei como fiquei sabendo da boa qualidade do romance, mas dei o livro de presente para minha Geórgia no início de 2006, ainda quando namorávamos. A dedicatória revela o tamanho da minha cara-de-pau: peço que ela me empreste depois de ler.
A história tem duas protagonistas que não aceitam o papel reservado à mulher em seus mundos. Uma delas é Itzá, que pega em armas e vai enfrentar os colonizadores espanhóis junto com seu homem e outros guerreiros, numa luta que ela sabe que está perdida, pois, afinal de contas, os inimigos são católicos abençoados pelo Papa, com direito divino a matar, incendiar, saquear, estuprar, esquartejar, torturar e todos esses verbos da primeira conjugação que deram o tom da civilização cristã e européia do lado de cá do Atlântico.
Quatro séculos e meio depois de Itzá, a jovem, bonitona e finíssima Lavínia, volta da Europa para trabalhar como arquiteta no seu país natal, Fáguas, nome imaginado pela autora para um país que nada tem de imaginário, pois é sua Nicarágua sem tirar nem por. Depois de tomar o tal “banho de cultura” que muitas mocinhas da elite latino-americana tomam na juventude, ela retorna com o olhar sensível e o coração aberto para a dura realidade dos trabalhadores e dos bairros periféricos.
Até conhecer o militante da sua vida, o inconformismo de Lavínia fica no plano das boas intenções, mas quando a verdade que os jornais não contam invade, literalmente, sua casa e a arrasta para a luta.
Resumido assim, o romance é semelhante a muitas outras histórias das pessoas que lutaram contra as ditaduras de praticamente todos os países da América. No início da leitura, eu mesmo não estava muito animado, pois a trama estava muito déjà vu. Mas Belli é poetisa de origem e construiu, com poesia e fantasia, um vínculo de beleza entre o espírito de Itzá e o sangue de Lavínia.
Além de garantir a poesia, com esse vínculo, a escritora nos diz, com uma ênfase doce, que a luta contra e elite branca e pseudoeuropéia de nossos países é a mesma luta que os índios e negros travaram contra os assassinos espanhóis e os corruptos portugueses.