livrosepixels 09/08/2017Ao infinito.. e além.. :DFazia muito tempo que eu não tinha contato com uma HQ. Ao que eu lembro, a última vez que li uma foi há pelo menos 6 ou 7 anos atrás. Mas desde o começo desse ano eu estava amadurecendo a ideia de começar a introduzir HQs nas minhas leituras semanais. E é assim que Valerian entra na história. Foi graças ao anúncio da adaptação cinematográfica que eu acabei conhecendo esse título para começar. O principal motivo para querer ler Valerian é que se trata de uma série de Ficção Científica, e eu amo esse gênero. No gênero, várias coisas podem acontecer, desde as mais prováveis até as inimagináveis. Entretanto, o bacana da ficção científica é que tudo tem uma base de realidade por trás, e ao meu ver torna as histórias mais familiares, mais próximas de serem compreendidas e aceitas. Também pela ficção científica, as metáforas com a realidade podem ser trabalhas de forma mais direta, despertando a atenção de quem lê.
“Nossos primeiros álbuns dão a impressão de uma hesitação no momento de alçar voo. Como se quiséssemos primeiro garantir nossos fundamentos, para saber de onde vínhamos.”
pesar de conter, tais críticas sociais podem não ser tão claras nessas quatro primeiras histórias, já que elas ainda estavam em um processo de assimilação por parte do público. Entretanto, mesmo que de forma embrionária, os autores buscaram retratar alguns aspecto da sociedade real e apontar os defeitos e/ou incoerências delas. Antes de mais nada, é preciso olhar para o álbum não com os olhos de quem vive no ano de 2017, mas tentar ver com os olhos de quem viveu nos anos 70-80.
Em Os Maus Sonhos, por exemplo, logo que a futurística Galaxity é apresentada, há uma menção de que grande parte dos humanos são mantidos em contínuo estado de sonhos, que os mantém entretidos e alheios aos problemas que os cercam. Há, inclusive, um departamento especializado em produzir sonhos bons para manter a população feliz e estável. Tal descrição hoje pode ser entendida como metáfora aos diversos meios de entretenimento online que temos, onde estamos conectados 24 horas por dia.
Já nas histórias seguintes, A Cidade das Águas Movediças e Terra em Chamas, vemos os personagens debatendo sobre os males causados pelas guerras nucleares e como a raça humana quase se extinguiu por sua própria ignorância. O mundo apresentado nessas duas HQs explora a ruína do que um dia foi uma bela e crescente civizilização, no auge de sua evolução. Além disso, a própria personagem Laureline já confronta alguns estereótipos daquela época, como por exemplo, a personagem mulher que sempre precisa do homem para se defender ou que não tem destaque. Aqui em Valerian, Laureline rouba a cena e se destaca como heroína.
“Ah! antigamente vivíamos tranquilos em nosso século… tirando os lobos, ratos, feiticeiros e umas chuvas de sapos… eu fui é bem louco de me associar a eles para ganhar!”
A respeito dos personagens, é interessante observar a sua construção e evolução no álbum. Valerian é um homem, acredito que já de boa idade, algo entre 28 e 30 anos, com senso de humor aguçado e um certo jingado de galã. Logo a primeira vista, me lembrou o personagem de John Travolta no filme Saturday Night Fever. O protagonista ostenta toda a graça e beleza da moda masculina dos anos 80, sendo a única diferença de que é agente de um tempo futuro. Durante as narrativas, ele vive suas aventuras de forma empolgante e, mesmo quando surge os problemas, que não são poucos, ele tenta encontrar uma solução da forma mais simples e inteligente possível, sem perder, claro, o momento de fazer piadinhas.
Já Laureline, sofre uma evolução enorme do primeiro quadrinho para o segundo. Ela não pertence ao mesmo mundo do qual Valerian veio, mas se tornou uma personagem extremamente importante para as demais aventuras. Ela possui cabelos ruivos, é jovial (suponho eu que entre 25 – 30 anos), ágil e bela. Não demorou muito a se tornar a minha personagem preferida. Pode parecer uma personagem frágil, mas não se engane, pois várias vezes é ela em que vai resolver os problemas e enfrentar os vilões. A partir da segunda HQ, a adaptação da protagonista à sua nova realidade também é surpreendentemente rápida, como se o tempo todo ela já tivesse nascido em Galaxity.
“Acredite, a raça humana do século XVIII não vale mais nada. Fora o pequeno grupo de agentes espaço-temporais do qual você faz parte, os terráqueos não servem para mais nada, a não ser dormir e sonhar…”
Ainda que a série seja apresentada como um marco da ficção científica, nas três primeiras histórias não fica evidente os motivos que a tornaram. Basicamente, a primeira HQ assume um lado fantasia, com seres místicos, cavalos alados, fadas, etc. Nas duas seguintes, as principais características da histórias são as descrições de robôs, naves controladas por inteligência artificial e viagem no tempo. Nada muito inovador, digamos, e bastante superficial.
Porém, na quarta história, A Cidade dos Mil Planetas – trama que o filme estrelado por Dane DeHaen e Cara Delevingne toma a referência para se desenvolver-, Valerian faz um salto gigante em sua própria narrativa e já nos apresenta um futuro tecnológico muito criativo e diferente do imaginado para os anos 80. Naves espaciais, diferentes raças alienígenas em harmonia, universos paralelos, planetas artificiais e natureza sensitiva marcam algumas das descrições. Todos esses conceitos juntos em uma mesma narrativa ajudaram a mudar a visão dos franceses sobre a ficção científica e então Valerian começou a construir os pilares do seu sucesso.
Inclusive, esse é outro ponto apresentado nos materiais adicionais do álbum. Valerian é um clássico entre jovens e adultos, e influenciou diversos outros artistas e obras, e há, entre essas, uma obra em especial que chama muito atenção: Star Wars. Essa série de space opera (que para mim tem pouco de ficção científica e muito de fantasia), criada por George Lucas, se tornou um grande sucesso no final dos anos 80 e tirou o cinema americano da letargia. Porém, muitas das ideias inovadoras de Lucas podem ser encontradas em Valerian, que já havia sido publicada há 10 anos. Ainda que Lucas nunca tenha admitido diretamente que se baseou em Valerian, uma série de imagens apresentadas pelos autores evidenciam coincidências muito significativas entre as duas obras. Alguns até dizem se tratar de plagio, mas acredito que nem toda inspiração é plagio (fosse assim, Avatar também seria cópia de Valerian, já que possuem algumas semelhanças, e essa hipótese nunca foi apresentada).
“Olhe essas velhas imagens que ainda conservamos para não esquecer nosso passado…. nossa astronave reunia os maiores sábios da época. Ela deveria procurar novos mundos para a Terra, que morria com seu solo devastado por explosões atômicas… Eu era o capitão.”
Acredito que a principal questão é que Star Wars se tornou sucesso em todo o mundo, enquanto Valerian acabou ficando restrito à França e países próximos. Logo, a obra por mais influente que tenha sido, ou teve muita dificuldade para adentrar culturas fora da Europa, ou chegou muito tarde, e assim encontrando pouco espaço para se destacar, quando tantas outras já estavam a meio caminho.
Vejamos o exemplo daqui do Brasil. Essa é a primeira vez que a HQ chega ao nosso país, em publicação integral, segundo as fontes que encontrei. E isso só se tornou possível graças ao filme, suponho. Isso me despertou outra questão, o qual busco resposta: seríamos um país culturalmente colônia norte-americana? Se observarmos bem, grande parte do conteúdo de entretenimento consumido hoje por nós vem de lá (filmes, séries, livros, música, etc).
No geral, eu gostei bastante das HQs e estou ansioso para poder continuar lendo elas. Apesar da rapidez com que a trama nos é apresentada, ela nos entretém e nos faz torcer pelos protagonistas. A edição gráfica também está impecável, linda e bem produzida. Os extras adicionados ao álbum enriquecem o contato com essa série que agora em agosto chega aos cinemas com grande potencial de se tornar uma franquia de sucesso.
site:
http://resenhandosonhos.com/valerian-vol-1-jean-claude-mezieres-e-pierre-christin/