Menezes 11/07/2013
Mundo Bolaño
Dia 18/07 na Livraria da vila do Higienópolis, o blog Espanador
, dará início a um clube de leitura. Abaixo tem a resenha original do blog:
"Quando resenhei 2666, insisti de leve em uma interpretação do título como um símbolo de localização histórica, entre duas bestas: a do Holocausto e a dos assassinatos em Santa Teresa, contudo minha ideia seria desenvolver esta interpretação em um sentido de contemplar não só esse aspecto histórico, mas o símbolo que persegue a obra de Bolaño como uma obsessão eterna, que seriam a violência e a literatura. Em minha primeira ideia, essas seriam as duas “bestas” pessoais que regem a escrita de Bolaño, contudo nesta resenha específica, além de sua extensão, a possibilidade de acharem que estou usando entorpecentes aumentaria. Entretanto, desconsiderando a validade desta proposta para com o título daquele livro, ela encaixa como uma beleza na obra como um todo do Mestre Chileno. Seus heróis são sempre literatos, poetas e críticos, e a violência está sempre presente na sua narrativa, mesmo em Monsieur Pain, dentro da escrita de Bolaño uma pressupõem a outra, como o raio e o relâmpago. No trecho acima a violência atroz do personagem de Wieder é horrível de ser ler, e seu autor é nada mais do que um candidato a poeta.
As raízes deste romance pressupõem outro, Literatura Nazi Nas Américas, que ainda não tem edição brasileira somente portuguesa pela Quetzal, que é um romance atípico, pois se pressupõem enciclopédico ao narrar uma lista de autores vivendo na América do Sul, mas é de fato uma ficção, uma vez que nenhum deles existe de verdade. Neste ele cria personagens originais às vezes se baseando em alguns reais, que deixam transparecer em sua obra ou vida, uma ligação com as ideias nazi-fascistas da Europa, ou até mesmo autores que se refugiaram no Brasil após a segunda guerra. O último antes de uma galeria, também falsa de obras e autores menos conhecidos, é aquele que detém a maior entrada em seu cânone nazista, e um dos mais interessante: Ramon Hoffman, um poeta chileno e torturador que fazia poemas com seu avião no ar.
Esse personagem é tão interessante que Estrela Distante nada mais é do que a vida deste reescrita agora de maneira mais detalhada, e com um novo enfoque, vide que ele não é chamado de Hoffman, mas primeiramente de Alberto Ruiz-Tagle e depois de Carlos Wiedle, já como aviador e criador de poemas com fumaça. O nosso narrador Arthur B(elano), que também é o narrador principal de Detetives Selvagens, conhece um poeta contido e influente na década de 70, cujo o nome é Alberto Ruiz-Tagle e que após toda a confusão e perseguição do golpe de Pinochet este se torna um assassino do governo e depois de muitos anos o narrador vem a descobrir que ele se tornou o piloto-poeta Carlos Wieder, mudando nome antes de desaparecer completamente. Essa multiplicidade de nomes não é acidental. Ao mudar o nome do personagem que falava em Literatura Nazi, ele ao mesmo tempo que cria outra história, corrobora com a impressão de que os autores “ficcionais” deste livro são baseados em “autores reais”. Sendo que o “real” de Hoffman, nada mais é que o igualmente “ficcional” Wieder, um pseudônimo de outra pessoa, que é narrado por Arthur Belano, amigo de Bolaño, que se limitou a “preparar bebidas, consultar alguns livros e discutir,” como ele mesmo nos conta no prefácio, além de organizar o relato. Mas Belano é um heterônimo de Bolaño, ou alter-ego se preferir. Entendeu? A literatura de Bolaño é auto-referencial como se ao mesmo tempo que se constrói se auto-critica.
Eu diria que Bolaño criou uma nova entrada na categoria de Duplo na literatura. Esse símbolo que é normalmente associado ao oposto dentro da narrativa, aqui se torna um oposto temático que não pode nunca ser desassociado. A literatura e sua magia estão sempre fascinando e instigando o narrador de Bolaño, ao mesmo que a violência vem junto para chocar. A própria passagem acima pode ser um exemplo ao mesmo tempo que estamos dentro de uma cena de assassinato frio e calculado, temos um certo fascínio do narrador em narrar o evento com delicadeza e emoção. Ao mesmo tempo em que Wieder quer quebrar o quarto da empregada em fúria, ele se contém de restrição, controlando sua emoção. O símbolo da noite que entra na casa alheia, para denunciar o terror da ditadura de Pinochet, e assim o faz de maneira quase sexual no “entrar e sair” da descrição. E se a “paixonite” do narrador foi assassinada nessa noite, ele jamais, até nos momentos finais da narrativa, vai se levantar contra Wieder, pois ele tem no fundo um certo fascínio pela situação.
O assassino é um poeta, e isso também é fascinante para o leitor e o que, de certo modo, motiva o leitor a continuar a leitura na tentativa de entender Carlos Wieder. Este, como poeta, vai provocar o interesse não pelo conteúdo de sua poesias, mas pela forma que ele o faz, desenhando versos no céu, o que, em contraponto com a cena do assassinato, são cenas belíssimas e que instigam a imaginação, chegando a parecer fantásticas. Mas novamente a dualidade volta, e em sua exibição mais famosa Carlos escreve vários versos celebrando as várias faces da morte. Ser um assassino e poeta está intimamente ligado para ele,e na tentativa de o entender tanto o narrador quanto o leitor parecem se distanciar dele, como um estrela mesmo que está sempre mais distante da Terra e o brilho mais perto de se extinguir.
Nesse ponto o título é uma alegoria perfeita, pois a estrela brilha mais forte quando já não existe, é só um eco de algo que não existe mais. Na parte final do livro, tentamos descobrir o que aconteceu com Carlos Wieder depois que desapareceu. Enquanto mais avançamos, mais damos brilho a sua estrela como poeta, que era medíocre nos verso,s mas brilhante na forma, e que dá forma ao livro em que temos em mão. Essa ideia de que quanto mais perto chegamos da verdade, mas longe chegamos de entende-lo também é uma dualidade temática que Bolaño trabalha, assim como todo o livro ser narrado de maneira jornalística, mas isso não permite um acesso à instancia do “real” e sim instiga a pensarmos na veracidade desta narração, pois em vários momentos em que o autor não estava presente, ele descreve as cenas com “A partir daqui meu relato se baseia de conjecturas,”, “Só pode ter sido assim”. Em poucos momentos há certeza clara, o narrador fica-nos lembrando de que isso pode não ser o que realmente ocorreu, mesmo quando volta a participar ativamente da caça de Carlos, em seu final há a sombra da ambiguidade.
Estrela distante, por seu tamanho e concisão, não é tão complexo quanto as obras de mais fôlego do escritor, mas é o primeiro grande livro dele por consolidar seu estilo que flerta aqui da maneira mais direta entre o metalinguístico e o horror do mundo que nos cerca. O poeta é o assassino, a morte contém beleza, nos poemas há a morte e a dita cuja tem sua função dentro da história. E ainda é mais genial por conseguir criar na concisão de suas 144 páginas, todo o labirinto espelhado que Bolaño cria em sua narrativa. Um clássico contemporâneo e uma porta de acesso perfeita para quem quer se aventurar com o grande Mestre Chileno"
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