Whichwood

Whichwood Tahereh Mafi




Resenhas - Whichwood


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Layla 22/01/2018

"Ela não era mais concisa, agora beirava a crueldade, e ela não se importava de quem era o coração que feria enquanto não fosse o dela."
Livros, universidades, múltiplas profissões, informações novas a cada segundo, televisão, computador, pesquisas e mais pesquisas, teorias e estudos e investigações - há milhares de dados e conteúdos acessíveis, bilhões de coisas para se ler e se ver. É impossível estar a par de metade, quem dirá de tudo, e temos plena ciência de que não conseguiremos conhecer tudo o que há para ser conhecido na Terra, na Via Láctea, em todo o universo. Nós admitimos que é impossível saber de tudo - e é uma das coisas irônicas sobre nós: reconhecemos que não sabemos de tudo com facilidade, mas é de uma dificuldade gigantesca admitirmos que não conhecemos algo quando nos perguntado, quando deparados com "você sabe fazer x coisa?" ou "qual é o significado de y?", diante de conversas e debates.

O ser humano é, por natureza, um ser pretensioso. Não saber, seja lá sobre qual for o tema ou pessoa ou questão, é visto como ser menor, como ser inferior, e admitir não saber é como gritar ser fraco, como se seu valor fosse diminuído pela sua honestidade.

Quantas vezes você reconheceu em voz alta não saber? Quantas vezes se permitiu sentir aquele arrepio na espinha e a breve e exultante falta de ar por estar de frente ao desconhecido sem precisar fingir que já o conhece? Que você não está nada curioso, que não quer experimentar aquilo que faz parte de sua ignorância?

"A coisa era, Benyamin pensava que os humanos eram estranhos. Ele não conseguia entender por que nós vestimos pele para esconder nossos esqueletos e, consequentemente, ele tinha grande respeito por aqueles que vestiam seus ossos com orgulho."

Surpreendentemente, ler WHICHWOOD fora assim: despertou curiosidade e dor e arrepios na espinha e corações partidos e uma exaltação em poder virar a próxima página e a seguinte e a outra e encontrar incógnitas e ignotos. Mas ele passou essa euforia para mim não pelo fato de eu nada saber da cultura persa, ou porque a protagonista era uma mordeshoor (e que eu não entendia o que isso significava), por incrível que pareça. A dor citada acima não fora despertada porque eu não sabia coisas triviais como o valor de Pi ou a fórmula de MU e MUV ou o que são plantas briófitas e angiospermas. Não, nada disso. Ela fora despertada porque esse livro faz você encarar aspectos que você desconhecia sobre si mesmo.

Entretanto, não estamos sozinhos ao desbravar aquilo de que somos feitos - nós temos companhia de Laylee, uma garota que lava os corpos dos mortos para que eles possam seguir em frente e não ficarem presos a terra. Temos também Alice e Oliver, personagens de FURTHERMORE, e alguns secundários, como Benyamin e sua mãe, que são tão apaixonantes e importantes como os supracitados.

"Alice e Oliver nunca seriam verdadeiros murdershoors - para isso, eles precisariam do sangue - mas se eles tivessem que ser um pouco úteis, eles teriam de desaprender seus medos."

O ponto principal da história é que Laylee está precisando de ajuda (embora não queira aceitá-la), e Alice fora destinada a ceder o suporte que a murdershoor precisa (mesmo sem saber do que ela precisa e como poderá ajudar). Conforme Laylee se relaciona com os personagens e fica cada vez mais debilitada, nos damos conta das peculiaridades mais profundas da protagonista e, nesse processo, das peculiaridades mais profundas que são nossas, minhas e suas.

Não nego ter ficado num misto de admiração e completo terror em ver Tahereh, mais uma vez, escavando emoções e pensamentos que são meus e utilizando-os em construções que são dela, em criações feitas por palavras em páginas em branco. Alice tinha aquela graça e simpatia impossíveis de não se apaixonar, entretanto Laylee tinha... um peso, um cansaço, um fardo que pesava-lhe os ombros e os olhos e a mente, mas principalmente o coração.

E era o tipo de cansaço que não se cura dormindo. Era o tipo de cansaço que não é apenas físico; o tipo de cansaço que não nos deixa pegar no sono de noite, amaldiçoando-nos com a energia de pensar sobre coisas e remoer sentimentos que deveriam estar adormecidos; o tipo de cansaço que atinge todos nós, vez ou outra, e que não se vai tão rápido. É o tipo de cansaço do qual compartilho.

E foi por isso que me identifiquei muito mais com ela do que com Alice: ela tem mais angustia e amargura, é mais familiarizada com os fardos do que com a leveza, é cheia de desconfiança por causa de suas experiências passadas e acha difícil se abrir, se deixar levar, se deixar relacionar.

"Não, ela vivia em um mundo onde a bondade falhou com ela, onde a escuridão a inalou, onde aqueles que ela amava a assombraram e descartaram. Não havia nenhum monstro, nenhum ghoul, nenhum cadáver em um túmulo que poderia machucá-la do jeito que os humanos o fizeram."

E é por Laylee ser quem é que WHICHWOOD é tão mágico e bonito: onde outrora havia só suspeita, só um coração partido e solitário, cresceram flores e vida e alegria. Com Alice, Oliver e Benyamin, Laylee (re)descobriu-se e, melhor do que isso, (re)descobriu um novo modo de fitar o mundo, encontrou um novo jeito de encarar como é viver. E nós também encontramos, no fim das contas.

Quero ressaltar que tive medo de não entender a história, pois a Tahereh fala da cultura persa e dos murdershoors e de variados assuntos, entretanto, ela utiliza um tom especial para descrevê-los. Um tom especial que faz com que aquelas pessoas e aquelas situações possam ser aplicadas a qualquer um e a qualquer momento que vivemos. Ela utiliza uma narrativa que pode enraizar em você caso tenha, como Laylee, uma alma fadigada. Ela nos apresenta reflexões que podem enraizar em você caso seja árabe ou seja brasileiro ou inglês ou japonês. Tahereh nos presenteia com personagens que enraízam em nós por ajudar-nos com a empatia, alcançando e compreendendo pessoas que sofrem preconceitos e abusos. Com Laylee, Alice, Oliver e Benyamin, ela nos dá um olhar diferenciado quanto a morte, quanto a depressão, quanto a xenofobia e ao machismo e o empoderamento e às deficiências e a aceitação de quem somos e mais um milhão de ensinamentos que poderia citar por aqui.

"O que eu disse sobre acusar uma mulher de ser fraca? Pareço fraca para você? Eu carreguei seus ossos dentro de mim, jovenzinho. Uma pessoa não precisa de pernas para ser forte. Tenho coração suficiente para dez pernas, e ele vai me carregar mais longe do que esses membros já fizeram."

WHICHWOOD é o tipo de livro que, se eu tivesse lido em minha infância, teria feito com que eu fosse diferente - pessoa, mulher, profissional, filha, irmã, ser humano. É um livro que, se pudesse, voltaria no tempo para apresentá-lo a uma pequena eu. Ele é lindo e especial e impressionante desse jeito.

É um livro indicado para crianças? Sim. Contudo, é um livro que faria um bem enorme a você, se lesse, pois ele inclui o leitor numa bolha de calor e contentamento, já que é uma leitura que causa felicidade.

É um livro indicado para crianças? Sim, ele é, embora seja indicado para todos no mundo, seja adulto, adolescente, pessoas que sabem muito sobre o mundo e pouco sobre si mesmas, pessoas que sabem pouco sobre o mundo e muito sobre si mesmas, pessoas que são Trumps da vida, pessoas que são Malalas, pessoas que são... pessoas. Que têm muito a aprender, muito a sentir, muito a viver.

WHICHWOOD é surpreendente, adorável e extasiante como conhecer uma banda nova, surpreendente e adorável e extasiante como ler algo novo e como fazer um amigo e provar uma comida nunca antes experimentada.

WHICHWOOD é uma descoberta.
nandagilmore 15/09/2021minha estante
precisa ler furthermore antes de ler esse?




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