Henrique Fendrich 09/03/2019
Coisa linda a dedicação do tradutor Daniel Dago com os escritores holandeses. Quem dera houvesse um Daniel Dago no Brasil para cada literatura ainda desconhecida por essas bandas.
Nessa coletânea de contos holandeses, a primeira da América Latina, eu recomendaria ao leitor, entretanto, que começasse o livro não pelo começo, mas pelo conto “O monstro da China”, de Jacob Israäel de Haan. Não porque esse seja um conto fantástico, mas porque os contos anteriores, mais antigos, são, de maneira geral, muito difíceis, alguns deles extremamente enfadonhos, e se alguém começar a ler do começo é bem possível que fique com uma imagem nada boa da literatura holandesa. “O monstro da China”, embora um tanto bizarro, é bem mais compreensível que os contos anteriores e marca o início da melhor sequência do livro.
Já em seguida, há “O incompreendido”, da Carry van Bruggen. O conto dessa mulher (a Virgínia Woolf da Holanda) não é apenas uma joia da literatura holandesa, mas da literatura MUNDIAL. Um conto realista e comovente, digno de figurar em antologias mundiais. Se fosse para escolher um único conto do livro para ler, eu recomendaria esse.
Na sequência, “Leonard e Juliaan”, de Albert Verwey, também é interessante e perfeitamente "lível", assim como “O binóculo”, famoso conto de Louis Couperus que eu já havia lido. Vem então “Um excêntrico”, de Marcellus Emants, outro grande momento, uma pérola niilista, um soco e tanto na cara do leitor. Incrível como em poucas páginas ele consegue juntar tantas "verdades inconvenientes" e alcançar um densidade filosófica, digamos, dostoievskiana.
Depois dessa sequência, o leitor pode ir alternando contos do começo e do fim do livro. Há uma série de experimentos formais ou estéticos e nem todos são muito fáceis. “O drama da pensão Casa na Praia”, de Edgar du Perron, chega a resultados interessantes nessa proposta. “Um dois três quatro cinco”, de Simon Vestdijk, é mais complexo, mas conta com uma trama cruel que desperta a atenção.
Um outro destaque, já perto do fim, é “Teresa Immaculata”, de Hendrik Marsman, texto sobre o incesto de dois irmãos e que o próprio Thomas Mann havia considerado forte demais para publicar.
O primeiro conto do livro, “Um homem desagradável no Bosque de Haarlem”, de Hildebrand, começa muito bem, a gente percebe um admirável e galante bom humor, mas em seguida, pareceu-me, perde-se em descrições que tornam difícil a leitura. “A morte da minha gata”, de Jacobus van Looy”, foi, honestamente, um conto que, perto do fim, eu fiz uma leitura dinâmica dos parágrafos, porque não adiantava prestar atenção.
Mas veio depois aquele sequência de que falei e, no fim das contas, a gente também gosta dos holandeses.