Anacrônicos

Anacrônicos Luiz Bras
Luiz Bras




Resenhas - Anacrônicos


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Maikel.Rosa 29/04/2022

Neste texto curto e contundente, Luiz Bras (ou Nelson de Oliveira) nos transporta em uma narrativa quase poética, onde o inusitado de “Incidente em Antares”, de Veríssimo, encontra a atmosfera claustrofóbica de “Ensaio sobre a cegueira”, de Saramago, trazendo uma espécie de apocalipse menos hecatômbico, mas igualmente bizarro.

Narrado por um observador como se estivesse relembrando o enredo à personagem central, o conto nos faz imergir em um cotidiano gradativamente assombrado por ondas de anacrônicos que ressurgem de épocas cada vez mais remotas.

A história não se preocupa em nos trazer nenhum alívio (“Trapaceira é a existência, não eu”), uma intenção que o próprio narrador deixa bem clara a certa altura (“Prefiro relatar os fatos exatamente como aconteceram, sem lançar mão de artifícios ficcionais”).

Ao contrário, ele se empenha em causar desconforto e uma reflexão sobre o quanto nos vemos afogados em meio às memórias que o mundo digital teima em preservar, substituindo a afetividade das nossas lembranças pela frieza insensível dos fatos registrados.

Não costumo fazer isso, mas puxei um trechinho que achei fantástico:

“Tento lembrar certos detalhes de minha mãe, a maneira como ajeitava o cabelo atrás da orelha… Hoje seu anacrônico faz exatamente igual, se sobrepondo, cobrindo a lembrança. É como se restaurassem um mural renascentista, pintando a mesma cena sobre a antiga, mas a gente sabe que a nova cena, mesmo muito parecida, jamais será a antiga. É outra. Uma cópia que logo me fará esquecer o original. Minha mãe ajeitando o cabelo atrás da orelha… Será que existiu mesmo, esse gesto delicado?”
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Paulo 26/04/2020

Luiz Brás tem o hábito de bagunçar as nossas percepções ao ler seus livros. Seja qual for o tema, você pode ter certeza de uma coisa: nunca tenha certeza de nada. Assim como nas narrativas de Philip K. Dick, o intuito do autor é, na maior parte das vezes, algo que não está tão aparente nas linhas. Junte isso a uma escrita competente e o que você tem é um conto desafiador. Embora curtinho, é possível tirar volumes de seus parágrafos. Mas, eu queria me focar em dois temas para não dar spoilers demais da narrativa: memória e caos social.

Antes de mais nada, é preciso dizer sobre o que é a narrativa: um dia pessoas mortas começam a voltar para suas casas. Essas pessoas voltam em ondas começando das mortes mais recentes até chegar às mais antigas. Esses retornados recebem o nome de anacrônicos e eles não podem ser afastados, atacados ou destruídos. Estão ali para fazer apenas uma ação, repetidas vezes. A mãe de um dos personagens volta todos os dias para casa para preparar um bolo. Todos os dias. Mas, o que acaba se assentando como algo que se torna corriqueira, vai tomando proporções catastróficas à medida em que mais e mais anacrônicos vão chegando e ocupando o espaço dos vivos. O resto você vai precisar ler para saber.

O que ilustra a memória de uma pessoa? A percepção que temos dela ou sua existência material? Já dizia Fernando Pessoa que a única realidade social é o indivíduo. Construímos a nossa memória a partir de nossa construção de mundo. Portanto, é natural que a memória de uma pessoa seja única para cada indivíduo. Para o protagonista, a pessoa que ele estava enxergando como anacrônica é difícil como ser entendida como aquela que lhe foi amada um dia. Aquela existência material e estranha era apenas algo físico, desprovido de qualquer sensação de familiaridade. Chega a um ponto em que estar junto dessa pessoa é desconfortável e chega a confundir a maneira como o protagonista se lembra dela.

O caos social começa a se formar quando indivíduos carismáticos começam a aparecer como Hitler, Maomé e até Jesus são mencionados como anacrônicos. Só tem um porém: os anacrônicos realizam apenas uma ação. Não podem ser entendidos como seres pensantes e capazes de mais de uma ação. Mas, os indivíduos ao redor deles, que estão vivos, iniciam um processo de relação com estes. Como lidar com as multidões furiosas que se unem ao redor de um Hitler anacrônico? Ou de uma futura guerra religiosa entre aqueles do lado de Maomé, outros ao lado de um Buda ou até de um Jesus? As áreas habitáveis começam a desaparecer já que os anacrônicos ocupam o espaço dos ativos. É aí que algo drástico vai precisar ser feito.

Adorei a forma como Luiz Brás quebra a quarta parede e tece críticas a nós, leitores. Se estamos esperando uma narrativa comum em que o protagonista segue uma jornada do herói, não é isso o que vamos encontrar aqui. Só senti falta de algumas páginas a mais para que eu pudesse entender qual é o ponto final da narrativa. Porque o autor deixa a história em aberto, mas ela acaba ficando em aberto demais. Mas, talvez isso seja um pouco do meu vício como leitor, esperando algo capaz de fechar o meu raciocínio quando, na verdade, o autor não quis fazer isso. São reminiscências de um leitor desesperado por algo mais. Para provar o seu domínio sobre a narrativa e até fechar a crítica em si, o autor emprega seu poder e usa o deus ex machina para comprovar que a realidade pode e é cruel. Anacrônicos é uma narrativa simples e direta, mas mostra volumes da pena do autor.

site: www.ficcoeshumanas.com.br
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Davenir - Diário de Anarres 09/12/2019

O passado que nos assombra
Um livro é especial quando você o recebe de presente ou quando ecoam na sua mente após a leitura. "Anacrônicos" é especial para mim pelos dois motivos. A novela de Ficção Científica brasileira, foi lançada este ano de forma independente por Luiz Bras (pseudônimo de Nelson de Oliveira) que é encontrado nas redes pelo vulgo Paisagens Personas.

Em primeiro lugar, Anacrônicos é extremamente bem escrito. Passa um desconforto pela forma narrativa que usa, como se você relembrasse momentos vividos contando em sua própria cabeça. Essa distorção na percepção do tempo acompanha os personagens, um grupo de jovens, que tentam lidar com a aparição de mortos-vivos (que não são zumbis) mas seres sintéticos "de um tipo de borracha industrial" extraídos das lembranças dos entes mais queridos que passam a ocupar os cômodos das casas e repetem ações das mais triviais diária e inexoravelmente. O foco é na dimensão íntima dos personagens, conseguindo abarcar o sentimento de caos no mundo todo. Tudo isso abarcando ironias, dores e desespero das pessoas que tentam levar suas vidas meio ao cotidiano e o caos que toma conta. A estória se passa num futuro próximo, quando todos nós estaremos um pouco mais velhos, se vivos. Temos uma aula de como situar uma estória no futuro sem forçar, sem infodump. Para uma sociedade que vive fugindo do seu passado, cansada de carregar o peso da própria bagagem, e o revive de forma cada vez mais ordinária, o livro é muito pertinente.

A forma do texto é curta e reflexiva, seria um erro chamar de prolixo pois ele tende a ser desconfortável (se você espera uma narrativa linear padrão). Vejo contundência e um potencial para quem puder refletir sobre si mesmo e o passado. Enfim, um livro curto que desafia qualquer busca pelo consumo rápido já é uma ironia em si. Pontos para o autor!

P.S.: O autor mantém um blog com resenhas de livros de ficção científica brasileira, que está se tornando um verdadeiro acervo de impressões do que é produzido no Brasil! Vale a leitura. https://ficcaocientificabrasileira.wordpress.com/

site: http://wilburdcontos.blogspot.com/2017/10/resenha-67-anacronicos-luiz-bras.html
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Ricardo Santos 06/05/2017

Para refletir
Anacrônicos mostra que, na hora de fazer literatura, importa mais a execução do que ter uma boa ideia. Luiz Bras pega uma premissa batida, já vista em ficções anteriores, filmes e série de TV, para criar um conto instigante sobre vida e morte. Aqui os mortos, entes queridos, voltam a povoar o mundo e as coisas se complicam. O narrador relata o impacto desse evento na vida pessoal e social dos personagens. O texto mistura momentos de uma quase poesia em versos livres e de uma narrativa direta. Ora com ironia, ora com desespero. O texto brinca com certa metalinguagem para tornar a sensação da leitura ainda mais estranha, tirando o leitor da zona de conforto para fazê-lo refletir.
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