Marcos Scheffel 23/09/2017Uma grande decepção (Lima Barreto: Triste Visionário)A presente biografia foi lançada com grande "barulho" neste ano em que Lima Barreto foi o homenageado da FLIP. Lilia Moritz Schwarcz que assina a biografia esteve na abertura do evento ao lado do ator Lázaro Ramos.
Li o livro antes de participar do evento em Paraty e por um motivo óbvio sou pesquisador da obra de Lima Barreto e tenho lido a obra dele há mais de dez anos.
Nesse sentido, minha recomendação aos leitores que querem ler uma biografia de Lima Barreto é a seguinte: leiam "A vida de Lima Barreto", de Francisco de Assis Barbosa. Por vários motivos: 1) é melhor escrita enquanto biografia; 2) desperta interesse pela obra do autor; 3) mostra Lima Barreto como um intelectual em construção e não pesa demais a mão ao tratar do alcoolismo e da loucura; 4) traz ao seu final a catalogação da Biblioteca de Lima Barreto - dos livros que nela constavam (só isso já vale a leitura e muda muitas ideias que fazemos do autor).
Já o livro Lima Barreto - Triste Visionário, lançado em 2017, se limita a seguir o mesmo roteiro proposto por Francisco de Assis Barbosa, nos anos 50, e a mesma fórmula: Lima Barreto é um autor que confessa demais em sua obra, logo podemos usar passagens ficcionais para recompor a vida do autor. Ora, isso está claro no livro de Francisco de Assis Barbosa. Ele diz que se apropria da ficção para narrar a vida de Lima Barreto, mas ele modaliza a todo momento tais comparações entre autor e seus personagens. Já no livro assinado por Lili M. Schwarcz esse uso da ficção enquanto confissão, enquanto documento não está esclarecido para o leitor.
Fora isso, Francisco de Assis Barbosa escreve essa biografia num momento de redescoberta de Lima Barreto (em que ele, o biógrafo, teve um papel de destaque), nos anos 50!!!
Fica pergunta: será que um biógrafo no século XXI deveria repetir as comparações que Francisco de Assis Barbosa fez entre a vida e obra de Lima Barreto nos anos 50?
Pesquisas recentes - como das professoras Carmem Negreiros (UERJ) e Ceila Maria Ferreira (UFF) - têm procurado romper justamente com essa imagem do autor que utilizou a ficção apenas para confessar, pois isso foi uma leitura promovida para rebaixar a obra de Lima Barreto, como se ele fosse incapaz de produzir uma ficção de qualidade.
Esperava-se que uma biografia nova trouxesse descobertas sobre o autor e que fosse baseada em uma pesquisa de arquivos. As cartas do autor e algumas de suas crônicas (de caráter mais engajado e pessoal) poderiam ajudar a recompor a trajetória deste escritor. Não que esse material não seja citado na presente biografia, mas ele vem misturado com a ficção de Lima Barreto e isso coloca escritos de diferente natureza e propósito num mesmo nível.
Outro ponto que quero destacar é que há vários erros no livro ao se falar das obras ficcionais. Esses erros se referem aos romances Recordações do Escrivão Isaías Caminha, à Vida e Morte de M.J. Gonzaga de Sá e à Triste Fim de Policarpo Quaresma. Há erros também ao se falar de contos de Lima Barreto e ao conto Pai contra mãe, de Machado de Assis.
Caberia a Companhia das Letras - uma editora que tem como traço o cuidado na edição de suas obras - fazer uma revisão ampla do que está escrito ali (sugeriria inclusive um recall, pois os leitores que compraram a primeira edição receberam um material repleto de erros e esses erros podem vir a ser multiplicados em trabalhos acadêmicos, por exemplo).
O que o leitor vai encontrar de diferente nesta biografia? A resposta é simples dados históricos. A fórmula de escrita desta biografia parece ter sido esta: manutenção das conclusões de Francisco de Assis Barbosa (eu diria que uma paráfrase mal feita) com o acréscimo de informações históricas (a condição do negro, o ideário anarquista de Lima Barreto, a questão dos hospícios, as formigas na ilha do Governador etc).
(Devo em breve publicar uma resenha em que análise com mais detalhe esta biografia comparando-a ao trabalho pioneiro de Francisco de Assis Barbosa).