Tamirez | @resenhandosonhos 02/08/2018As SobreviventesEssa resenha precisa começar com um desabafo sobre spoilers: porque, em nome de algo importante, alguém conta a um leitor o final de um livro de suspense, sem que ele tenha pedido? Maldade, só pode. Porque não há nada mais essencial e que precisa de clímax quanto um livro que pertence a esse gênero. É a alma do negócio. E, infelizmente, alguém muito má intencionado achou interessante me contar o fim de As Sobreviventes sem ser chamado.
O engraçado – se é que dá pra chamar assim – é que a história estava tão fora daquele rumo, que eu achei que era zueira. E fui até perto do fim pensando como aquilo poderia ser possível na configuração do livro. Sim, o final foi o que tinham me dito e mesmo eu estando desacreditada, o fato de saber previamente estragou a coisa em parte pra mim. Antes disso, eu estava adorando e devorando o livro, porque a narrativa inicial é muito boa, mas do meio pra fim eu só precisava constatar se aquilo era real, enquanto por dentro eu me desmanchava em insatisfação. Não com o livro, mas com a pessoa #$@ que causou todo o drama.
“Demos muito azar, querida. A vida nos engoliu, depois cagou e todo mundo só quer que a gente supere e aja como se nada tivesse acontecido.”
O livro é dividido em dois momentos: o presente e o passado. Por mais que a protagonista não se lembre do que aconteceu, o leitor vai aos poucos recebendo vislumbres de como a coisa se desenrolou e por ir começando a montar o quebra-cabeça. No presente temos uma Quincy que acha que está no controle de sua vida, mas que sequer consegue mencionar o nome do homem que assassinou seus amigos. Ela tenta ter uma vida normal, mergulhando na confeitaria como válvula de escape. Mas não há como negar que a situação ainda a assombra.
O principal sinal é porque ela não consegue lidar com a situação. A negação constante, a vontade de esquecer, o fato de ela sempre ter detestado o conceito de “garota remanescente” é um indício que a personagem ou esconde algo ou pode se despedaçar a qualquer momento. Tudo isso cercada por uma vida que pode parecer perfeita. Ela tem um apartamento num local privilegiado de NY, namora um advogado em ascensão e vive entre bolos e cupcakes estrategicamente fotografados para parecerem perfeitos em seu blog.
Por dentro, entretanto, ela é um mar de confusão, que só precisa de um impulso para entrar em colapso. E é exatamente isso que começa a acontecer quanto a notícia da morte da primeira sobrevivente das três “garotas remanescentes” chega até ela pelo policial Coop, e pelo aparecimento de outras coisas que ajudam a incrementar a tensão.
Coop é um “amigo” de longa data. Desde o dia em que a achou ensanguentada na floresta e atirou para matar no agressor, o policial mantém uma barreira de segurança em Quincy. Por mais que os outros detetives não acreditassem totalmente em sua amnésia dissociativa, ele sempre a defendeu, e isso se manteve durante os dez anos que se seguiram. Sempre que Quincy tinha um ataque nervoso ou tudo voltava para assombrá-la, ela podia correr pra ele. E é por isso que, ao saber da morte de Lisa, ele se sente responsável por lhe dar a notícia. E, ainda existe uma peça desaparecida em tudo isso. Samantha Boyd sumiu do mapa há anos e ninguém sabe onde ela está. Como uma das remanescentes, seu nome também voltará a ser mencionado, bem como a curiosidade de saber o que ela anda fazendo todos esses anos.
Aos poucos as peças vão se encaixando e a narrativa é bem envolvente para que a gente se sinta confortável sem acomapanhar a história. Porém também há momentos onde há tanta manipulação ou descontrole por parte dos personagens que eu ficava com vontade de simplesmente pegá-los pelos ombros e sacudir, sabe? E livros que mexem com a gente a esse ponto tem o seu mérito. A protagonista aqui é uma gangorra que tenta se manter sempre no meio termo, mas quanto mais nos aproximamos do final, mais fácil fica de perceber que uma hora o estupor do problema vai alcançar a trama.
“A floresta tinha garras e dentes.”
Mesmo eu “sabendo” o fim da história, me peguei duvidando dele. Os principais pontos que podem entregar o desfecho ficam realmente na terceira parte da narrativa, e a verdade só é entregue nas últimas partes. Até lá trocamos de opinião uma ou duas vezes sobre o que aconteceu no Chalé Pine.
Acredito realmente que se eu não tivesse a minha experiência estragada, iria ter uma boa surpresa com o desfecho e o livro. As partes do passado, que podem começar um pouco lentas, vão ficando bem instigantes também e os últimos três capítulos que voltam no tempo são bem reveladores.
As Sobreviventes é um bom livro de suspense e que mexe com o psicológico do leitor, ao questionar a sanidade do que acontece nas páginas e a verdade entre as manipulações, também faz com que enxerguemos o quanto colocamos nossos próprios esqueletos muitas vezes em baixo do tapete e os deixamos lá, até que seja extremamente necessário lidar com a situação.
site:
http://resenhandosonhos.com/as-sobreviventes-riley-sager/