Crítica, eu? 14/01/2019
A Capela
À primeira vista, A Capela é um livro que parece contar a história de algo essencialmente sobrenatural. Por causa do nome e dos elementos religiosos (como os crucifixos e trechos da Bíblia que abrem cada capítulo), espera-se que algo relacionado ao exorcismo seja tratado nas próximas páginas. Mas a verdade é que o autor Jhefferson Passos, com uma escrita leve e fluida, utiliza desses ingredientes para falar sobre medos, traumas e amizade, tudo envolvido por um Ser não identificado e aterrorizante.
A Capela conta a história de Anna e Marcelo, dois amigos que se veem presos em uma capela quase totalmente destruída, no meio de um canavial, em algum lugar não identificado. No começo do livro, três dias já haviam se passado desde que eles estavam ali. O mesmo tempo em que os outros três amigos da dupla haviam sido “sugados” por Aquele, nome usado para se referir ao ser sobrenatural sem forma, que os esperava fora da capela.
Ao longo do livro, acompanhamos Anna e Marcelo na busca de saídas daquela situação que nem eles mesmos sabem explicar, já que não se lembram de como chegaram naquela capela. No entanto, o primeiro problema identificado no livro é a dificuldade de nós, leitores, criarmos empatia por esses personagens e, consequentemente, conseguirmos sentir a angústia e o medo deles por todos os dias que passam dentro do local.
Por exemplo, em determinado momento, Marcelo começa a contar a Anna (ainda no começo do livro, sem uma explicação ou preparação anterior), um caso antigo que o deixou muito perturbado. O episódio parece ser bastante traumatizante para ele e que, por isso, deveria ter pelo menos uma razão para ele querer se abrir para a amiga naquele momento. Pior, esse episódio é mencionado apenas mais uma vez, sem uma razão
O segundo problema é o fato de ser estranho que dois amigos (não sabemos há quanto tempo eles se conhecem, mas a todo momento eles se colocam como amigos) não conheçam o mínimo um do outro. Anna é uma religiosa fanática e uma característica tão evidente como essa já deveria ter sido percebida por Marcelo. No entanto, quando ela começa a rezar constantemente, a cada sinal de perigo, ele não entende, fica confuso e depois começa a se irritar. Ora, que tipo de amizade é essa que nem as escolhas religiosas da amiga ele tem conhecimento?
O terceiro problema é a ambientação da história. Por vezes, é citado que a capela onde Anna e Marcelo estão presos está parcialmente destruída, suja e esquecida no meio do nada. No entanto, não vemos, por exemplo, curiosidade partindo deles de explorar o local, saber seus segredos, descobrir passagens secretas ou algo semelhante. Fica complicado, para o leitor, sentir medo pelos personagens se não se sabe nem pelo que eles estão passando – ainda mais quando a construção deles e da relação entre os dois é mal construída.
O quarto problema (que não chega a ser um defeito, de fato, mas mais um incômodo) é que sabemos exatamente o que cada um deles está pensando: e com direito a aspas e transcrições precisas sobre o que se passa na mente deles. Tudo bem, o narrador onisciente que sabe e conhece cada um dos seus personagens e os descreve para o leitor precisa dar o mínimo de elementos para que os entendamos e criemos empatia. No entanto, perde a graça quando, em vez de descobrirmos aos poucos como cada um é, já sabemos de antemão tintim por tintim o que eles pensam sobre tudo, e de maneira tão literal e óbvia. Mais ainda: são detalhes dos pensamentos deles que, muitas vezes, não acrescentam em nada à história.
Fora isso, a própria mudança de comportamento dos personagens, ao longo do livro, é mal construída. Tudo se desenvolve muito rápido e isso não é justificado apenas pela pouca quantidade de páginas. As coisas ficam um pouco piores quando alguns elementos de obras anteriores são encontrados como referência em meio à história. Assim como Bird Box (2018), Anna e Marcelo não podem olhar para o Aquilo que vive fora da capela e que atacou seus amigos. Mas, diferente do livro ou do filme, não há uma evolução palpável dos personagens, que partem de certo ponto para chegarem em outro, como acontece com Malorie, protagonista de Bird Box.
Da mesma forma que os filmes de M. Night Shyamalan, diretor de O Sexto Sentido (1999), nos quais os assombros são apenas um meio de mostrar os medos e inseguranças dos personagens, A Capela procura fazer com que aquela situação limite na qual Anna e Marcelo se encontram os desnudam e tanto eles quanto nós descubramos detalhes sobre suas vidas antes de se perderem no canavial. O mesmo tipo de referência que pode ser vista em A Ilha do Medo (2010), filme que mostra dois colegas de trabalho presos em um hospital psiquiátrico localizado em uma ilha, para onde são recrutados a fim de descobrir o paradeiro de um paciente que fugiu de uma das salas do local (mas que não poderia sair da ilha sem ser visto). Em meio à investigação, eles acabam conhecendo mais um ao outro ao mesmo tempo em que Teddy, o policial interpretado por Leonardo DiCaprio, precisa enfrentar seus traumas.
No entanto, em A Capela os diálogos se não são rasos, não se justificam, são apressados ou sem sentido. Tudo o que contribui para que nós não cultivemos o mínimo de carinho por eles. A relação de Anna e Marcelo é confusa. Eles se odeiam e se desejam, mas nada fica muito bem resolvido.
Apenas nos últimos dois capítulos as coisas começam a ficar um pouco mais interessantes, mas aí o livro termina. As últimas sequências trazem tudo o que o livro inteiro esqueceu de mostrar: o medo, o nojo e a solidão. O final é aberto a interpretações e essa é a parte mais legal. Qualquer que sejam as considerações sobre o que realmente aconteceu aos amigos de Anna e Marcelo e a eles próprios é válida e bem pensada. Pena que todo o caminho até ali tenha tantos buracos que é difícil chegar na reta final sem ter danificado o carro algumas vezes.
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