spoiler visualizarA!! 02/02/2024
Eu nunca vou me recuperar emocionalmente desse livro
A primeira vez que eu li Uma vida pequena foi em 2021. Estávamos saindo da pandemia, eu queria um livro triste, e fui impulsionada pelo vlog de uma booktuber que se acabava de chorar enquanto lia. Mas por algum motivo, eu não chorei. Eu sabia que estava lendo algo muito triste, e volta e meia, nesses últimos dois anos, me relembrava da história e sentia tristeza. Por isso, quando comecei a releitura ano passado, impulsionada pelo desafio do bookster, achei que estivesse preparada.
Um livro que te dá a oportunidade de acompanhar quatro pessoas durante 40/50 anos, sua amizade, seu ódio, sua tristeza, seu arrependimento e seu amor. Acima de tudo, seu amor. Os personagens principais são Jude, Willem, Malcom e JB, apesar de que, se eu precisasse resumir a história em uma pessoa só, seria Jude. Jude e o sistema solar que o rodeava, mesmo quando achava que era apenas um asteroide solitário.
Eu estava errada quando acreditei que não sentiria tanto o livro dessa vez. Na realidade, me doeu de uma forma tão intensa, que poucos livros que eu ja tenha lido puderam se aproximar do que senti e sinto com essa história. Yanagihara criou um universo o qual eu não consegui separar do real. Me pegava abrindo o maps com o objetivo de compreender qual era aquele universo nova iorquinho que servia como palco para as caminhadas de Jude, trouxe para as consultas com a psicóloga o parágrafo de Harold sobre seu avô e a forma de amar de Willem, me deparei com dúvidas sobre mim mesma durante os monólogos de JB sobre quem ele acredita ser. Eu vivi esse livro, do início ao fim.
Houveram momentos em que a história se tornou pesada demais para continuar. A luta contra as drogas de JB, a agressão de Jude, a tentativa de suicídio, a morte de Willem. Houveram os momentos de tristeza com lágrimas, e os momentos de tristeza sem lágrimas, que considero os piores, pois elas são substituídas por uma dor irreal.
Mas não só de tristezas o leitor vive. Houveram momentos bons, felizes, momentos em que eu me pegava rindo para um bando de páginas com palavras escritas. Os quadros de JB, as casas de Malcom, o amor de Willem. A adoção de Jude. Momentos que, em meio a um mar de tristeza e de dúvidas do porquê a vida é da forma que é, faz parecer valer a pena.
Quando comecei a releitura, achei que estava preparada para o final, afinal, já sabia o que ia acontecer. Mas eu estava errada. Muito eu não me lembrava, mas também subestimei a dor de muito do que aconteceu. Jamais perdoarei a autora por fazer com que Harold narrasse a morte do Jude, mas também, não consigo ver uma alternativa tão honesta quanto essa.
A verdade é que, durante as 784 páginas, me peguei olhando para meus outros livros e me perguntando como serei capaz de entrar em outra história. Como serei capaz de deixar o Jude ir. Ainda não tenho a resposta.
Vou deixar algumas citações aqui, pq acredito que algumas palavras são fortes demais para serem marcadas apenas por um post it e uma caneta azul
"O outro aspecto que adorava naquelas viagens ao anoitecer era a luz em si, como ela enchia o trem como algo vivo à medida que os vagões chocalhavam ao atravessar a ponte, como ela lavava o cansaço do rosto de seus companheiros de viagem e os revelava como eram quando chegaram ao país, quando eram jovens e os Estados Unidos pareciam conquistáveis. Ele observava aquela luz generosa se alastrar pelo vagão como mel, apagando rugas das testas, transformando cabelos grisalhos em dourados, suavizando o brilho exagerado de tecidos baratos e os transformando em algo lustroso e fino. E então o sol ia embora, e o vagão seguia com indiferença, e o mundo voltava a suas formas e cores normais e tristes, as pessoas, ao seu estado normal e triste, uma mudança tão cruel e abrupta como se feita pela varinha de condão de uma bruxa."pág 33
"Tivera uma visão na qual ia talhando partes de si mesmo - primeiro os braços, depois as pernas, e então o peito, o pescoço e o rosto - até ficarem só os ossos, um esqueleto que se mexia, suspirava, respirava e cambaleava pela vida em sua estrutura porosa e quebradiça." pág 211
"... a própria vida é o axioma do conjunto vazio. Começa em zero e termina em zero. Sabemos que ambos os estados existem, mas não temos consciência de nenhuma das duas experiências: esses estados são partes necessárias da vida, ainda que não possam ser vividos." pág 316
"A pessoa que eu fui sempre será a pessoa que eu sou, conclui. O contexto pode ter mudado: ele pode estar naquele apartamento, pode te rum emprego de que gosta e que paga bem, pode ter pais e amigos que ama. Pode ser respeitado; no tribunal, pode até ser temido. Mas, fundamentalmente, ainda é a mesma pessoa, uma pessoa que desperta repulsa, uma pessoa que merece ser odiada. E, naquele microssegundo em que se vê suspenso no ar, entre o êxtase de estar flutuando e a expectativa da aterrissagem, que sabe que será terrível, entende que x sempre será igual a x, não importa o que faça ou quantos anos se passem desde o mosteiro, desde o irmão Luke, não importa o quanto ganhe ou o quanto tente esquecer. Aquela é a última coisa que pensa antes de o ombro se chocar contra o concreto, e o mundo, por um instante, se afasta como uma benção debaixo dele: x=x" pág 373
"-Às vezes é porque me sinto tão mal, ou com tanta vergonha, e preciso tornar físico o que estou sentindo [...] E às vezes é porque sinto um monte de coisas e preciso não sentir nada. [...] E às vezes é porque estou feliz e tenho de lembrar a mim mesmo que não deveria me sentir assim" pág 395
"Ainda estavam cantando quando a campainha anunciou o café da manhã, mas, ao se levantas, Jude colocou a mão sobre seu pulso e os dois ficaram ali, Jude sentado e ele de pé, até cantarem as últimas palavras da canção, e só depois de terminarem é que ele foi atender à porta. Ao seu redor, o quarto cheirava à erva desconhecida que encontrara, verde e fresca, mas, ainda sim, de certa forma familiar, como algo de que não sabia gostar até aparecer, súbita e inesperadamente, em sua vida." pág 522
"[...] E, é claro, existe a pessoa para quem você volta: seu rosto, seu corpo, sua voz, seu perfume, seu toque, o jeito como ele espera você terminar de falar, não importa o quanto esteja demorando, antes de abrir a boca, o jeito como seu sorriso se abre lentamente em seu rosto e o faz se lembrar do nascer da lua, o quão claramente ele sentiu sua falta e o quão claramente está feliz por ter você de volta. E, quando se é particularmente sortudo, há também as coisas que essa pessoa fez para você durante sua ausência: o modo como encontra na despensa, no congelador e na geladeira tudo aquilo que você gosta de comer, o uísque que gosta de beber. Você encontra o agasalho que achava ter perdido no teatro no ano anterior, lavado, dobrado e em seu devido lugar na prateleira. Encontra a camisa cujos botões estavam caindo, só que agora os botões estçao bem-costurados e firmes. Encontra sua correspondência empilhada em um lado da escrivaninha dele; encontra o contrato para uma campanha publicitária que fará na Alemanha para uma marca de cerveja austríaca, com as observações dele nas margens para que você discuta com seu advogado. E não há qualquer menção a essas coisas, o que o faz saber que tudo foi feito com um prazer genuíno e o faz saber que parte da razão - uma pequena parte, mas ainda assim uma parte - pela qual você ama estar naquele apartamento e naquele relacionamento é porque essa outra pessoa está sempre o transformando num lar para você e que, ao lhe dizer isso, ele não se sentirá ofendido, mas satisfeito, e você fica feliz, pois você queria mesmo agradecer. E, nesses momentos -passada quase uma semana desde que voltou para casa - , você começa a se questionar por que viaja tanto, e se questiona também se, depois que as obrigações do ano seguinte forem cumpridas, não deveria passar um período mais longo ali, que era o seu lugar." pág 563-564
"Não era a amizade um milagre em si, o encontro com outra pessoa que fazia o mundo solitário de certa forma parecer menos solitário?" pág 626
"Você é Jude St. Francia. Você é o meu amigo mais antigo e amado. É filho de Harold Stein e Julia Altman. É amigo de Malcolm Irvine, de Jean-Baptiste Marion, de Richard Goldfarb, de Andy Constractor, de Lucien Voigt, de Citizen van Straaten, de Rhodes Arrowsmith, de Elijah Kozma, de Phaedra de los Santos, dos Henry Youngs.
Você é nova-iorquino. Mora no SoHo. É voluntário numa ONG de artes; é voluntário numa cozinha solidária.
É um nadador. Um confeiteiro. Um cozinheiro. Um leitor. Tem uma bela voz, embora não cante ultimamente. É um excelente pianista. É um colecionador de arte. Escreve lindas mensagens para mim quando viajo. É paciente. É generoso. É o melhor ouvinte que conheço. É a pessoa mais inteligente que conheço, sob todos os aspectos. É a pessoa mais corajosa que conheço, sob todos os aspectos.
É advogado. É o chefe do departamento de litígios da Rosen Pritchard & Klein. Ama seu travalho; se dedica bastante a ele.
É um matemático. É um lógico. Tentou me ensinar, várias e várias vezes.
Foi tratado de uma maneira horrível. Mas conseguiu dar a volta por cima. Sempre foi você mesmo. [...]
Sou Willem Ragnarsson. E nunca vou desistir de você" pág 662-663
"Eram precisamente essas cenas que mais lhe faziam falta em sua própria vida com Willem, os momentos esquecíveis e intermediários em que nada parecia estar acontecendo, mas cuja ausência era singularmente impreenchível." pág 734
"Vocês todos se esqueceram?, tem vontade de perguntar. Vocês se esqueceram dele? Esqueceram-se do quanto preciso dele? Esqueceram-se de que não sei como viver sem ele? Quem pode me ensinar? Quem pode me dizer o que fazer agora?" pág 755
"E ele chora e chora, chora por tudo que foi, por tudo que podia ter sido, por cada velha ferida, por cada velha alegria, chora pela vergonha e pela felicidade de finalmente poder ser criança, com todos os caprichos, as vontades e as inseguranças de uma criança, pelo privilégio de se comportar mal e ser perdoado, pelo esplendor do afeto, dos carinhos, de servirem-lhe uma refeição e forçarem-no a comê-la, pela capacidade, finalmente, finalmente, de acreditar nas garantias de um pai, de acreditar que ele é especial para alguém, apesar de todos os seus erros e de seu ódio, por causa de todos os seus erros e de seu ódio." pág 759
"...se você estivesse aqui, ele também não estaria?" pág 779
"Que ele tenha morrido tão só é mais do que posso conceber; que tenha morrido achando que nos devia uma desculpa é pior; que tenha morrido ainda acreditando tão obstinadamente em tudo o que disseram sobre ele - depois de você, depois de mim, depois de todos nós que o amamos - me faz pensar que, no fim, minha vida foi um fracasso, que fracassei na única coisa que era importante." pág 780
"Pois ele merecia a felicidade. Não temos qualquer garantia dela, nenhum de nós tem, mas ela a merecia. [...] É também nessa hora que eu queria acreditar em alguma espécie de vida após a vida, que em outro universo, talvez num planetinha vermelho onde não temos pernas, mas caudas, onde nadamos pela atmosfera feito focas, onde o próprio ar nos dá sustentação, composto por trilhões de moléculas de proteína e açúcar, onde tudo o que precisamos fazer é abrir a boca e inalar para continuarmos vivos e saudáveis, talvez vocês dois estejam juntos, flutuando pelo ambiente. Ou talvez ele esteja ainda mais perto: talvez seja aquele gato cinza que começou a sentar diante da casa do nosso vizinho, ronronando quando estico a mão para ele; talvez seja aquele novo filhotinho de cão que vejo puxar a coleira do meu outro vizinho; talvez seja aquela criança que vi correr pela praça alguns meses atrás, gritando de alegria, enquanto os pais soltavam fogo pelas ventas atrás dela; talvez seja aquela flor que brotou subitamente no arbusto de rododendros que eu pensava ter morrido muito tempo atrás; talvez seja aquela nuvem, aquela onda, aquela chuva, aquela bruma. Não é só por ele ter morrido, ou como morreu; é pelo que morreu acreditando. Por isso tento ser amável com tudo o que vejo, e em tudo que vejo, eu vejo ele." pág 781
site: https://www.youtube.com/watch?v=Zd131OTi4EI&pp=ygUaYSBsaXR0bGUgbGlmZSByZWFkaW5nIHZsb2c%3D