Fabio Shiva 25/01/2014
Benção, meu padrinho!
Gente, como escreve bem o Fernando Sabino!
Escrevo isso porque decidi, por uma dessas cismas, começar e terminar a resenha com a mesma palavra que dá título ao livro. E também, sobretudo, porque é a mais ululante verdade, que talvez não seja tão óbvia para os leitores mais recentes: Fernando Sabino é um grande escritor.
Para mim, felizmente, essa verdade sempre foi muito clara. Considero o Sabino uma espécie de mentor ou padrinho literário, inicialmente para o pequeno e ávido leitor que eu era aos 8 ou 9 anos de idade, quando fui presenteado com os primeiros volumes da coleção “Para Gostar de Ler”. Nessa época o Fernando Sabino me marcou principalmente por ser o mais “fortão” dos quatro grandes autores das crônicas da coleção, sendo os outros três: Carlos Drummond de Andrade, Rubem Braga e Paulo Mendes Campos... e também como o autor de “O Homem Nu”, certamente a melhor história da coleção e a mais famosa de todos os tempos do Fernando Sabino.
E há pouco tempo fui descobrir que o Sabino apadrinhou também meus primeiros passos como escritor... Pois ao fazer uma palestra por ocasião do lançamento de meu livro “O Sincronicídio”, percebi que por volta de 80% das dicas mais preciosas que guardei sobre a arte de escrever vieram todas de um único texto do Fernando Sabino! Foi, aliás, numa tentativa de reencontrar essa maravilhosa crônica que engatei na leitura desse “Gente”. Não achei o que eu procurava, mas encontrei bem mais do que buscava!
Trata-se de uma deliciosa coleção de crônicas retratando artistas e celebridades que o Sabino teve a oportunidade de conhecer ao longo de sua vida e carreira. Um exercício da mais fina arte da escrita, sem frescuras, mas com muita finesse! Verdadeira aula de como tratar com amor e carinho a “última flor do Lácio”. Lendo a crônica que ele escreveu sobre o Pelé, pensei que ler um texto de Sabino é meio como ver o Pelé jogando, dá gosto ver a simples genialidade do craque!
São muitos os ilustres retratados: Erico Verissimo, Vinicius de Moraes, Jorge Amado, Dorival Caymmi, Cartola e muitos outro gênios brasileiros, mas tem até deliciosas surpresas como o encontro de Sabino com Salvador Dali ou Alfred Hitchcock, por exemplo. E a cada crônica, fica mais evidente que o retrato mais nítido que vai sendo traçado é o do próprio Fernando Sabino, como na obsessiva pergunta feita a seus retratados:
- Você tem medo de morrer?
Não tenha medo não, Fernando, que tão cedo você não morre! Enquanto houver alguém que ame a língua portuguesa, certamente você estará vivo no coração dessa pessoa!
Quero registrar, por fim, que essa leitura foi marcada por uma forte reflexão provocada pelas palavras do amigo e colega escritor, Sergio Carmach, autor de “Para Sempre Ana”. Honrando-me muito, Sergio afirmou que eu era um dos poucos autores da nova geração a flertar com a Literatura. Essas palavras só fizeram sentido realmente para mim quando mergulhei na leitura de “Gente”, ao acompanhar Sabino e outros grandes em seus geniais pensamentos sobre a Literatura... que não significa exatamente a mesma coisa que escrever um livro e publicar num pedaço de árvore um bocado de palavras impressas. Nem todo livro é Literatura, e aparentemente a Literatura está cada vez menos presente nos livros, desde os tempos de Fernando Sabino... ou talvez esteja apenas sofrendo mutações, e hoje seja uma X-Literatura!
Sou muito grato por essa maravilhosa leitura, que tanto somou de tantas formas em minha vida. Sou grato sobretudo pela lembrança de como o ser humano pode ser bonito e infinitamente criativo, um lembrete precioso quando os jornais e o mundo nos convidam a ver só o lado feio e destrutivo. Nada disso: a humanidade nasceu foi para ser linda! E que bom, meu Deus, que eu faço parte dessa família humana! Que bom que eu também sou gente!
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Trechos do livro GENTE – Fernando Sabino
Sobre o racismo no Brasil:
“Evidentemente o preconceito existe, embora talvez mais atenuado que em qualquer parte do mundo, e nem por isso menos odioso. No Brasil, lugar de negro é na cozinha. Os que ousam sair de lá é porque já deixaram de ser negros. Pouco importa a cor da pele: ser negro é antes de tudo ser pobre. Negro rico é coisa rara, causa estranheza. E contra o pobre, sim – branco ou negro –, o brasileiro tem preconceito.”
Sobre o Brasil:
“No entanto, não há nada mais brasileiro que um brasileiro. É o que intriga a maioria dos sociólogos que se dão ao trabalho de estudar essa charada que é o Brasil. Por mais que cariocas, paulistas, mineiros, gaúchos, baianos ou nordestinos sejam diferentes uns dos outros, há qualquer coisa que os identifica em qualquer lugar do mundo como brasileiros: o seu espírito de independência e seu apego à liberdade, que um dia acabarão fazendo realmente do Brasil um grande país. E talvez de maneira inédita, capaz de deixar perplexos os futuros estudiosos da História.”
Sobre Augusto Frederico Schmidt:
“Tinha um conhecimento da vida às vezes bem realista. Quando comentei com ele que um amigo nosso estava me tratando de maneira meio hostil sem que eu soubesse a razão, perguntou apenas:
- O favor que você fez a ele foi muito grande?”
Sobre os ricos:
“Tenho ouvido vários ricos dizendo que no fundo continuam meninos pobres. Na verdade, para se tornarem ricos, aceitaram o jogo da vida e se transformaram numa das razões da existência de meninos pobres.”
Sobre Literatura:
“Logo passamos a conversar sobre nosso assunto predileto: a difícil sobrevivência da literatura no mundo de hoje, especialmente a poesia, tal como a concebíamos.”
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“Difícil arte essa, a de escrever para não dizer nada, em que são mestres os editorialistas de jornal. Escrever não é bem o termo: lucubrar talvez seja melhor. Lembrávamos sempre do que disse Sérgio Porto, quando um texto seu para televisão foi recusado, porque não estava como queriam:
- Me desculpem, mas pior do que isso não sei fazer.”
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“- Sou uma máquina de escrever com algum uso, mas em bom estado de funcionamento. Nunca vivi a coisa literária. Sempre escrevi para ser publicado no dia seguinte. Como o marido que tem que dormir com a esposa. Pode estar achando gostoso, mas é uma obrigação.” (Rubem Braga)
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“(...) nunca disse que o romance morreu. Ainda outro dia me atribuíram esta soez assertiva. O que eu disse, e repito, é que a literatura, para sobreviver, tem de encontrar novas formas de expressão, adequadas ao nosso tempo. Negar isto é tão ridículo quanto escrever soez assertiva.”
Frase de Jayme Ovalle:
“- O silêncio das coisas tem um sentido. Quem não entende isso, não entende nada.”
Sobre Oscar Niemeyer:
“No entanto há uma aura qualquer de grandeza que dele se irradia, como de todo artista verdadeiro, a partir da espontaneidade com que ignora a sua importância.”
Frase de Ingmar Bergman:
“O sistema de educação tradicional é uma humilhação. E quem humilha os outros, se humilha também.”
Sobre o sistema tradicional de ensino:
“Amar é respeitar o outro na sua integridade como indivíduo. Desde pequeno. Cada ser humano é diferente do outro. Respeitar essa diferença. O que serve indiferentemente para todo mundo não serve para ninguém. O que se ensina a uma criança, no sistema tradicional, é imposto de fora para dentro.”
Sobre a morte:
“- Você tem medo de morrer?”
Versos de Augusto Rodrigues:
“Para acordar
despertar os olhos
e descobrir nas coisas
o que de sonho há.”
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Conheça O SINCRONICÍDIO:
http://youtu.be/Vr9Ez7fZMVA
http://www.caligoeditora.com.br/osincronicidio/
LEIA AGORA (porque não existe outro momento):
http://www.mensageirosdovento.com.br/Manifesto.html
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