Future Noir

Future Noir Paul M. Sammon




Resenhas - Future Noir


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Marcelo.MarAula 20/01/2021

Enciclopédia Blade Runner
Para quem é fã de Blade Runner é obrigatório. Conta desde a concepção, escolhas, rodagem, pós-produção, música, lançamento, versões, etc. Além de uma análise, cena a cena, do filme.
Para quem gosta de cinema é um excelente trabalho sobre o que é fazer um filme e quais dificuldades são enfrentadas..
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Che 07/01/2018

BEM-VINDO A RIDLEYVILLE
Há quase dez anos, o ótimo "The Battle of Brazil", de Jack Mathews, seria meu primeiro livro lido em outro idioma. A admiração pela obra-prima de Terry Gilliam - e até hoje meu filme favorito - me levou a juntar os poucos tostões sobravam ao fim do mês pra importar do estrangeiro aquele livro em inglês que narrava toda a contenda nos bastidores da pós-produção do tech-noir de 1985. A experiência literária foi muito boa, a redação de Mathews era cheia de um sarcasmo condizente tanto com a briga pela edição quanto com a narrativa de humor corrosivo do ex-Monty Python e trazia várias informações sobre o filme (além do roteiro original disponibilizado na íntegra), de modo que "The Battle of Brazil" até hoje é um dos meus livros de não-ficção favoritos.

Foi essa boa experiência que me levou a ter nutrir ao longo do tempo o interesse em ler outra obra sobre bastidores do cinema tech-noir (ou seja, a mistura de ficção-científica com cinema policial 'noir' dos anos 1940s/1950s). Trata-se, por sinal, do filme é que a expressão mais 'pura' desse subgênero: o Blade Runner de 1982 - bem como o livro (um certo "Future Noir") que conta a trajetória desde a pré-produção até a recepção do público no cinema. Por conta dos 35 anos de aniversário do filme, bem como da expectativa para o ótimo Blade Runner 2049 que então seria lançado dali alguns meses, "Future Noir" ganhou no ano passado uma nova edição - com imensos acréscimos e correções de dados em relação à primeira edição de 1996 -, de modo que o encontrei já importado pela Livraria Cultural, por um preço menos salgado do que eu imaginava.

E há poucas horas terminei as quase 600 páginas redigidas por Paul M. Sammon - um 'jornalista cinematográfico' que se auto-descreve desde o começo, acertadamente, como um obcecado e apaixonado pelo filme de 1982, o qual ele teve a oportunidade de acompanhar desde as filmagens em 1981, numa época em que ninguém fazia ideia que daquele ambiente conturbado e tenso de trabalho noturno (embaixo de muita chuva artificial) sairia um dos maiores clássicos da ficção-científica do século XX. O set de filmagens era controlado artisticamente com onipresença e determinação por um cineasta então jovem e promissor, recém saído de um sucesso de bilheteria (nada menos que o inesquecível Alien (1979)). Seu nome? Ridley Scott. E a produção era tão pormenorizadamente controlada por ele que o resto da equipe, que frequentemente entrou em atrito com o diretor, apelidou o set de "Ridleyville".

Na época, Scott não era esse embuste de filmografia irregular que é agora - com mais porqueiras inúteis e redundantes (como "Hannibal" e o recente "Alien Covenant") do que acertos. Pelo contrário; os três filmes que abrem sua carreira revelavam um gênio perfeccionista de olhar muito atento aos detalhes. E o terceiro desses filmes é precisamente Blade Runner, que reinventou a estética da ficção-científica (depois influenciando um sem fim de outros longas-metragens do gênero, como o já citado "Brazil") e revolucionou vários aspectos da sétima arte.

Quem lê isso deve pensar que BR foi um sucesso retumbante de bilheteria e crítica. Muito pelo contrário: o público quebrou a cara esperando que veria um longa de ação/aventura à la Star Wars (principalmente por causa da presença de Harrison Ford no pôster), logo abandonando o filme ao fracasso comercial, bem como a crítica ficou coçando a cabeça sem entender bulhufas daquele filme cujo visual esplendoroso foi unanimidade, mas cujo enredo e proposta filosófica/existencialista demorou a ser compreendido.

Esse resgate só aconteceu quando BR foi ganhando status de cult já nas videolocadoras, até acabar sendo relançado na tela grande numa montagem um pouco diferente - mas com nuances fundamentais - dez anos depois, em 1992. Depois ainda teria mais alterações, até chegar na (suposta) edição definitiva - Blade Runner: The Final Cut - em 2007, incríveis 25 anos após a estreia da edição que terminava com um final artificialmente feliz (que Sammon chama de 'ride to the sunset'), negando todo o clima sombrio noir futurista mostrado até então. O embate envolvendo as diversas montagens do filme (são umas seis no total) e o quanto a edição está no cerne da disputa entre o artista e o estúdio lembram bastante o impasse de "The Battle for Brazil", muito embora "Future Noir" não se limite a discutir isso e vá bastante além dessa polêmica, mas sem jamais fugir dela.

Daria ainda pra dizer muito mais sobre o livro, que é imensamente detalhado em todas as fases que envolvem BR, começando no nascimento da obra de Philip K. Dick (autor de ficção-científica literária que só ganhou renome de fato por causa do filme, mas morreu poucos meses antes da estreia) e percorrendo todo o caminho de produção do filme, as polêmicas posteriores ao lançamento e chegando até a expectativa acerca da sequência tardia dirigida pelo canadense Denis Villeneuve. É detalhe pra empanturrar qualquer apreciador de BR, indo de pormenores da direção de fotografia (do finado Jordan Cronenweth) aos efeitos visuais, com o olhar carinhoso e sobretudo incansável que só um fã poderia buscar com tamanho afinco.

Sammon fez um trabalho de formiguinha entrevistando vários dos envolvidos em todas as fases de produção, chegando a ter um longuíssimo capítulo (o oitavo, com mais de cem páginas) discorrendo sobre as filmagens CENA POR CENA, em ordem cronológica do roteiro, contando os bastidores e curiosidades de cada uma! Traz ainda entrevistas volumosas ao final, com Scott e os três maiores nomes do elenco (Ford, Young e o ótimo Rutger Hauer, este pra mim na melhor performance em papel coadjuvante da história do cinema). Então é melhor você, que é fã do filme, aproveitar que o lançamento da sequência BR 2049 deu visibilidade marketeira ao livro e procurar essa terceira edição, fartamente ampliada. Pra quem quiser e puder encarar a leitura em inglês, vale muito a pena. Também é uma oportunidade minha, aqui, pra indicar o filme (aliás, filmaço) de 1982 e também sua sequência, na minha humilde opinião um dos melhores filmes desta década e à altura do original.

Cabe ainda dizer que julgo "Future Noir" infinitamente superior ao também documentário "Dangerous Days", que acompanha a 'final cut' nos DVDs e blu-ray. A meu ver, o documentário de Charles de Lauzirika (que dirigiu os ótimos making-offs da quadrilogia "Alien") peca por versar pouco sobre a antológica música de Vangelis e por passar ligeiro demais na polêmica sobre a versão 'ride to the sunset' e a importância das diferenças de uma montagem pra outra, que são cruciais para o entendimento da máquina hollywoodiana. O livro de Sammon cumpre bem melhor essas duas funções, especialmente a segunda, revelando - pra citar só uma curiosidade - que a "Director's Cut" de 1992 só veio à tona graças a um funcionário da Warner que encontrou os rolos originais das filmagens de BR no arquivo do estúdio por obra e graça do acaso.

Pra encerrar, acho que cabe fazer uma provocação relacionada ao elenco. Aprovo a performance de Sean Young e Harrison Ford, todavia não faço a menor cerimônia em cogitar que o resultado final do filme poderia ser ainda melhor se Monique van de Ven (a belíssima e talentosa atriz que contracenou com Hauer em Turks Fruit) e Dustin Hoffman tivessem dado vida, respectivamente, a Rachael e Deckard. Eram atores mais experientes e com maior profundidade dramática do que os que acabaram seno escalados para os papeis. Lembrando que Ford foi bem problemático nas filmagens, brigou com Young e Scott várias vezes, até hoje esnoba o filme (por mais que ele tente disfarçar, a entrevista ao fim do livro deixa isso muito evidente) e a presença dele foi crucial para criar a antecipação no público de que veriam um "Indiana Jones no espaço". E só digo isso porque tanto Van de Ven quanto Hoffman chegaram perto de assumir esses personagens. Sempre dá pra um filme quase perfeito chegar ainda mais perto da perfeição - e, por mais que eu seja fã de BR, de jeito nenhum vou deixar de reconhecer isso.

De todo modo, está aí divulgada e recomendada a leitura de "Future Noir". Agora, se me dão licença, é hora de colocar a música dos créditos finais desse filmaço pra tocar aqui no meu fone pela milionésima vez...
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