Retipatia 05/11/2018
Sentimentos que cativam...
Catarina está perdida, mas no sentido figurado. Sua vida, desde o acidente que levou seus pais e seu irmão, não tem mais razão de existir. Ela não vê saída, a não ser se entregar ao acaso. Chega ao ponto de, ao sofrer um acidente, dizer ao policial que a resgata para não se importar, deixá-la partir.
O que Catarina não contava é que André, o policial que salvou sua vida, não é alguém que desiste fácil. Quando a jovem deixa o hospital, já no dia 25 de dezembro, ele a aguarda do lado de fora e, depois de um pouco de insistência, a convence a lhe conceder 24 horas do seu tempo. Vinte e quatro horas para que ele lhe mostre que a vida, por mais difícil que possa parecer, vale a pena ser vivida. Parece um tempo curto demais? Mas é tudo que André possui e ele irá buscar ao máximo dar motivos à Catarina para continuar a viver.
O conto trata de um tema muito interessante e, ao mesmo tempo, que faz refletir muito sobre a vida e o papel que exercemos na vida das outras pessoas, sejam elas próximas ou não a nós.
Catarina foi fortemente marcada pela perda de sua família, tanto que qualquer coisa que pudesse motivá-la a continuar vivendo, fora apagado de sua memória. Após sofrer um outro acidente no dia 24 de dezembro, ela conhece o policial André, que, diferente dela, acredita que, não importa o que tenha acontecido, viver é sempre a melhor escolha. Apesar de não ter um plano muito exato, André faz a coisa mais importante que poderia fazer por ela: mostra que Catarina não está sozinha no mundo e que alguém se importa com ela, mesmo sendo, praticamente, uma desconhecida.
Nas 24 horas que se desenrolam conhecemos um pouco mais sobre o policial que também não está com a família comemorando o Natal e que resolveu dar suas horas à alguém que parecia perdida. A autora consegue desenhar bem os dois personagens que nos são apresentados na história, conhecemos um pouco do passado e da vida de cada um, sendo possível perceber bem os sentimentos que os levam a ter as atitudes e comportamentos que possuem.
O mais interessante no conto da Aléxia é que, não se trata sobre escolher morrer, mas do escolher viver. Não há discussão aprofundada sobre suicídio, e acho melhor dizer porque, em momento algum, a personagem diz claramente que o faria. É mais como se ela não fosse optar por morrer dessa forma, mas daria chance a qualquer oportunidade que aparecesse, como dirigir na estrada e mexer no celular (como quando acontece o acidente que a faz conhecer André). Contudo, como a própria personagem deixa claro, ela não vê saída quando acorda no hospital, insatisfeita por ainda estar viva, e crê que uma medida mais drástica seria necessária. O que nos faz pensar no suicídio (ou me fez pensar), ainda que Catarina não fale ou pense isso 'com todas as letras' durante o conto.
De uma maneira ou outra, é difícil saber o que pode ser a gota d'água para alguém resolver tirar a própria vida. Um ato tão extremo. E, talvez, um simples gesto, uma palavra, uma atitude, um ouvir ou um olhar com atenção, pode ser suficiente para a pessoa resolver se dar mais uma chance, mais um dia, mais vinte e quatro horas, que podem mudar o rumo de toda sua vida.
Querendo ou não, apesar dessa mostra de chance que a vida ou alguém pode oferecer à outra pessoa, seja ela uma desconhecida ou não, acho que o aspecto do suicídio em si poderia ter sido melhor discutido, mesmo sendo um conto e, por isso, uma história mais curta, não significa que não fosse possível trabalhá-lo, já que é algo implícito e quase velado na história e não precisaria ser, já que há indicativos do que a personagem estaria prestes a fazer.
A história também fala sobre depressão, tanto do ponto de vista de quem acompanha a pessoa que está com a doença, como quem vive com ela, através dos próprios personagens principais, Catarina e André. É uma boa abordagem, ainda que transformada em uma história que tem uma resolução romanceada, já que a principal solução para a doença é através das mudanças que lhe são oferecidas durante essas 24 horas em que se passa o conto.
A escrita da Aléxia é bem fluida e madura. A narrativa corre com facilidade pelos capítulos do conto, que levam como títulos a marcação do passar do tempo que Catarina deu a André. E, como um todo, a leitura foi bem fácil e rápida, fluiu super bem e, especialmente para quem gosta de história curtas e que cativam pela descrição dos sentimentos, é uma ótima escolha de leitura.
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