Claire Scorzi 24/03/2009
O preço de ser diferente
Um romance sobre idealismo; sobre a mediocridade e seu ódio aos que não se encaixam nela; sobre os falsos "salvadores da pátria". Para muitos, esta é a obra-prima de Lima Barreto, a história de um Dom Quixote nacional cujas atitudes vão lhe granjeando estranheza, desconfiança, hostilidade aberta além de fazê-lo alvo de ridículo - até a morte.
Apesar do seu tema (ou por causa dele) este é um livro feliz de Lima Barreto: tudo se ajusta, da criação dos personagens ao desenvolvimento da narrativa; da estrutura do romance (com os três períodos da vida do herói, em seu idealismo sempre castigado pela realidade) às observações argutas, que ficam na memória; certas seqüências.
Alguém disse, a propósito do Dom Quixote (é difícil não fazer a comparação) que não era o cavaleiro a estar errado por não ser como o mundo o queria; o mundo, sim, estaria errado por não ser como o desejava Quixote... A colocação é válida igualmente para o nosso Policarpo Quaresma. Se estamos imersos num mundo materialista, medíocre, utilitarista, pragmático, interesseiro, aborrecidamente "prático", e o major não, é ele o felizardo (apesar de tudo) e não nós; o mundo do herói de Lima Barreto é infinitamente mais rico, mais vivo - melhor.
O escritor deixa isso claro ao elaborar dois personagens que, em contato com Policarpo, sentem a sua grandeza: Ricardo Coração dos Outros, o trovador, e a afilhada de Quaresma, Olga. São, também, idealistas, Ricardo na sua prática diária, no seu amor ao violão e às suas modinhas; Olga por intuição, sem viver plenamente sua crença (é interessante notar como Lima Barreto relaciona essa impossibilidade de Olga com a vida monocromática, compactada, destinada às mulheres e vivida por elas na época do autor) mas resguardando uma parte de si, secreta, que pressente que "deve haver algo mais": algo mais do que ganhar dinheiro, casar-se, ser respeitável, adquirir status. Deve haver algo mais. Policarpo Quaresma encarna esse desejo, na medida em que aspira a mais no seu amor desinteressado pelo Brasil. Um Brasil que parece preferir a mediocridade, contudo; não é o que vemos todos?