emmanuel_arankar 09/07/2023"Black Hole" de Charles Burns
"Black Hole" é uma obra-prima do cartunista norte-americano Charles Burns, que nos conduz por uma narrativa intensa que transcende as páginas e nos deixa imersos em um abismo de emoções perturbadoras. Publicada em volumes ao longo de uma década, de 1995 a 2005, essa graphic novel é um mergulho angustiante no desconhecido, na juventude e nas doenças, tanto físicas quanto metafóricas.
A história se desenrola nas décadas de 1970, uma época marcada por revoluções culturais e sociais nos Estados Unidos, mas Burns opta por explorar a contrapartida obscura desse período. Em vez de nos levar a Woodstock, somos arrastados para o submundo de Seattle, onde um grupo de adolescentes lida com os dramas típicos da juventude, mas com um toque sombrio e apocalíptico.
O enredo é permeado por uma epidemia sexualmente transmissível que parece afetar exclusivamente os jovens, manifestando-se de maneiras grotescas e peculiares em cada um dos contaminados. Alguns desenvolvem deformações físicas, enquanto outros adquirem características animalescas, como caudas ou chifres. A praga se torna uma metáfora das transformações pelas quais todos passamos na adolescência, das mudanças físicas às emocionais, exacerbando os medos e inseguranças comuns a essa fase.
Os protagonistas de "Black Hole" são Keith e Chris, dois adolescentes que têm abordagens distintas para enfrentar a tragédia iminente que paira sobre eles. Keith, introvertido e sensível, busca compreender as complexidades da vida e da morte, um reflexo de sua jornada interior para entender o significado de sua existência. Sua experiência traumática ao dissecar um sapo na aula de biologia é uma representação gráfica de sua visão do vazio absoluto que a morte representa, em contraste com a genitália feminina que o rodeia.
Por outro lado, Chris, a personagem feminina principal, é atraente e cobiçada, mas sua escolha imprudente de se envolver em um encontro sexual casual desencadeia uma série de eventos que a deixam marcada pela doença. Seu desejo de fugir com seu amante doente, Rob, é um exemplo do desejo de escapar da realidade opressiva da epidemia, uma busca desesperada por amor e segurança em meio ao caos.
Enquanto a trama se desdobra, Charles Burns usa suas habilidades artísticas magistrais para criar uma atmosfera única. A paleta de cores é restrita ao preto e branco, uma escolha que intensifica o clima de horror e desespero. Cada página é habilmente composta, com o preto profundo dominando o espaço, criando uma sensação de opressão constante que parece prestes a engolir os personagens e o leitor.
A presença constante e escancarada da simbologia sexual e do tema das relações sexuais contrasta fortemente com os tabus sociais em torno do sexo e das doenças sexualmente transmissíveis. A obra de Burns transcende a mera analogia com o início da epidemia de HIV nos Estados Unidos, atingindo questões profundas sobre a hipocrisia e o conservadorismo da sociedade em relação ao sexo e à sexualidade.
Uma das características mais impressionantes da narrativa gráfica de "Black Hole" é a maneira como os personagens se desenvolvem ao longo da história. Keith e Chris são arquétipos clássicos de adolescentes, mas à medida que a epidemia se desenrola e suas vidas são transformadas, eles passam por um processo de amadurecimento e autodescoberta que os torna personagens complexos e cativantes. Burns desafia os estereótipos da juventude, explorando a profundidade da psicologia de seus protagonistas.
A epidemia de "Black Hole" serve como metáfora para a experiência da adolescência, onde as mudanças físicas e emocionais muitas vezes podem parecer assustadoras e grotescas. O medo do desconhecido, a busca por identidade e o desejo de conexão humana são temas universais que ressoam não apenas na história, mas também na experiência de vida de cada leitor.
A jornada de Keith e Chris reflete o medo, a incerteza e a vulnerabilidade que todos enfrentamos em nossos próprios caminhos de autodescoberta. Embora a história se desenrole em um cenário de pesadelo e terror, suas emoções e desafios são surpreendentemente reais e identificáveis.
Em tempos de pandemia e isolamento, a leitura de "Black Hole" adquire uma nova camada de significado. As questões de isolamento, estigmatização e o medo do contágio ecoam de maneira mais profunda do que nunca. A sensação de estar marcado e excluído da sociedade é algo que muitos podem se identificar nos tempos atuais.
"Black Hole" é uma obra-prima do mundo das graphic novels, que transcende o gênero do horror para explorar as profundezas da juventude, da vulnerabilidade humana e da busca pela identidade. A obra de Charles Burns é um testemunho da qualidade e da relevância da nona arte como meio de expressão artística e narrativa. A profundidade de seus personagens, a intensidade de sua narrativa visual e a reflexão sobre temas universais tornam "Black Hole" uma leitura obrigatória para qualquer apreciador de quadrinhos e uma experiência literária que perdura na mente do leitor muito além da última página.