spoiler visualizarXanda 24/01/2021
Conclusão apenas "ok"
Complicadíssimo falar sobre o "final" dessa série. Sim, eu me diverti lendo, sim eu acho que vale a pena ler tudo isso a nível de entretenimento, e não julgo o resultado final como ruim. Mas, dito isso, é inquestionável que houveram muitas falhas na narrativa desse suposto último volume da saga. Algumas resoluções não são ruins, mas são muito mal costuradas.
É impossível negar o desperdício que é escrever uma série de fantasia tão longa onde em todos os livros aparece pelo menos a nuance de uma investigativa sobre porque algumas pessoas são dotadas de poderes e outras não, para na conclusão final isso não ser mais abordado. Não me incomoda que a história termine com um belo "não descobrimos porque somos assim", o que me incomoda é que essa dúvida foi instaurada e simplesmente ABANDONADA, não houve desenvolvimento, seja ele descobrir a verdade ou perceber que não se descobriria a verdade. Não houve essa discussão e conclusão. Pra mim o problema central desse livro como finalização da série se resume aqui: no esquecimento da trama principal.
Foi um pouco complicado de engolir a simplicidade dos capítulos finais, onde houve dedicação desproporcional entre escrever a queda de Maven comparado a desenvolver todos os outros pontos do enredo. Muita coisa ficou em aberto numa nuance de que "agora que a guerra acabou, vamos caminhar para o caminho certo" e seria muito bom ter mais detalhes sobre como ficou/ficará o cenário político de Norta, que caminho é esse e como ele será percorrido. Afinal, boa parte do enredo dos livros anteriores foi sobre isso, certo? Sobre a desigualdade de vermelhos e prateados, sobra a dificuldade de Cal em ser Rei (por que ele é burro, fraco e eventualmente pau mandado, convenhamos) e sobre qual seria o futuro desse reino cujo governo estava uma bagunça. A série "acabou" sem mostrar como o problema foi resolvido, apenas ficou no ar que eventualmente ele será resolvido.... Fico com a pulga atrás da orelha pensando que a solução rasa, rápida, ou simplesmente subentendida dos problemas seja porque a autora não saiba resolver o problema que criou. (E vale destacar que isso é um YA e o problema não era tão complicado assim, né)
Lendo e assistindo outras resenhas percebi muita gente frustrada com um suposto abandono de desenvolvimento do relacionamento do Cal e da Mare e preciso discordar. Se algo precisava ficar em aberto e não precisava de mais desenvolvimento era o relacionamento desses dois, continuo batendo na tecla de que onde faltou substância, informação e realismo foi no cenário político da trama mesmo. Achei excelente a conclusão dos personagens encerrando o livro falando que precisavam tirar um tempo um do outro. Para mim foi suficiente saber pelas entrelinhas da autora que eventualmente no futuro eles vão voltar a ficar juntos, e não senti falta de ler sobre isso. Particularmente, estou cansada de ler re-encontros românticos em livros de YA onde os personagens - um bando de adolescentes submetidos a situações super traumáticas - superam TUDO magicamente numa velocidade absurda por conta de seu amor um pelo outro. Não acho que caiba esse final feliz e gostei sim da distância entre eles.
Gosto muito de finais agridoces e finais abertos, sem resolução, portanto esse aspecto do livro não me incomodou tanto. A falta de explicação em alguns lugares é aceitável e até harmoniosa, mas em outros pontos, principalmente aqueles que cometiam a trama principal dos livros, sua ausência é simplesmente imperdoável, agonizante e tem um peso muito negativo na obra. Não houve equilíbrio. Se não fosse pela falta de explicação sobre o decorrer da organização político-social pós eventos finais desse livro, ou sobre a origem histórica dos vermelhos e prateados, eu estaria satisfeita com a conclusão. Mas, da maneira que está, não posso deixar de pensar que haverá um quinto livro para concluir as pontas soltas ou várias pequenas novelas/contos publicados soltos aqui e ali para resolver de maneira porca, rasa e preguiçosa o que ficou em aberto. (como já vi que a autora o fez e preferia que não o tivesse feito)
Outra crítica que tenho se refere a alguns personagens secundários que foram abandonados. Gostava bastante do enredo dos Cygnet, do relacionamento da família e seu papel na guerra. Não saber mais sobre como lideram com o desenrolar dos eventos finais ou supor que elas simplesmente aceitaram tudo que aconteceu "de boas" me deixa um pouco incomodada. Farley esquecida no rolê. Familia e personalidade da Farley duplamente esquecidas, foram jogadas fora, sumiram. Julian e Anabel mereciam mais também. Família da Mare não me lembro o nome de todos os irmãos, se não iam ser importantes, não precisavam estar ali. Kilorn e Cameron foram deixados um pouco de lado também, mas isso não me incomodou tanto: "Deu o que tinha que dar". Minha crítica ao enredo da Cameron é apenas que não se fez nem um pouco necessário o ibope todo que foi dado a ela durante sua apresentação no segundo livro, visto que ela não teria importância na história nesse mesmo nível. Isso gerou apenas expectativa e acredito que por isso é que eu encontrei pro aí tanto leitor frustrado com a resolução da personagem dela. No entanto é uma personagem que gosto muito pois tinha tudo pra cair no basicão de personagem que não quer virar um monstro e vira já que é muito poderosa no universo fantástico e sofreu muitos traumas, etc Independente de muitos leitores que odiaram o fato de ela não ter feito muito na história, eu adorei que ela escolheu por ela mesma simplesmente não se envolver em ainda mais dor, virando o monstro. Penso o mesmo sobre o personagem do Jon, não acho que faltou nada no enredo dele e as vezes tenho a impressão de que certos leitores estavam esperando que eles dois fossem explodir em meio a magnitude de seus poderes ou algo do tipo. Sinceramente acho que isso deixaria o livro ainda mais padrãozinho do que já é. O fato de que no desenrolar dos livros o Kilorn e o Cal quase morreram uma meia dúzia de vezes me leva também a refletir sobre o suposto medo da autora em matar personagens ou dar finais verdadeiramente sofridos, pois todas as mortes durante a saga são previsíveis e os queridinhos são sempre salvos. Mas aos pouquinhos ela parece estar evoluindo com relação a isso.
Tenho uma tendência de odiar livros que intercalam a narrativa entre múltiplos personagens, principalmente aqueles cujo primeiro volume se centrava apenas na narrativa do personagem principal, mas nessa série isso não me incomodou. Acho que a autora soube intercalar as cenas com maestria e teve domínio sobre as diferentes vozes. Particularmente amo os capítulos da Evangeline e estava vivendo por eles.
Crescimento e desenvolvimento da personagem principal: até aqui não houve, mas fico feliz que o de outros personagens como Maven, Cal e Evangeline se sobreponham e compensem a falta do dela. Mare continua o protótipo base de protagonista que só chora e só quebra se o assunto for macho, que é pra garantir a manutenção da "garota forte que não mostra sinais de fragilidade" e do "drama romântico" ao mesmo tempo. Por sorte ou por tentativa, ela não é um caso grave dessa carta repetida de YA (já vi piores), mas ainda assim, tem um pouco dessa personalidade rasa e irrealista preservada. Mesmo passando por várias situações drásticas, a personalidade da Mare está estagnada desde o livro 1 e as diminutas mudanças aqui e ali são literalmente desenhadas pela autora e constantemente apontadas por auto afirmativa. Particularmente eu não gosto quando me DIZEM que "ela ficou mais fria após a morte do irmão" ou "estava tendo pesadelos desde que tal coisa aconteceu" ou "ela precisava de um tempo sozinha pra saber quem ela era, pois já havia sido muitas pessoas" (todas com a mesma personalidade, mas ok), etc. Eu gosto quando a narrativa me MOSTRA que isso aconteceu. Esse mastigado de informações forçadas é horrível e infelizmente continuou presente no último livro. Em resumo, Mare Barrow continua com o mesmo estereótipo forçado que tinha a 4 livros atrás. Mas, para equilibrar, teve por exemplo a Evangeline. A personagem saiu da bolha de garota meramente arrogante por conta de privilégios, uma personagem que era chata e padrão, para alguém que de fato refletiu sobre suas escolhas, anseios, traumas, personalidade e desejos. E, embora não tenha sido nenhum choque ou surpresa que ela tivesse mais nela do que demonstrava no livro 1, a jornada dela ao ganhar mais espaço para mostrar essas outras camadas de sua personalidade foi razoável e satisfatória. Não me incomodo nem um pouco por ela ter abdicado da coroa para ter paz com a namorada e não ter que se preocupar com o serviço, não se tornou menos empoderada por isso.
Pelo que percebi a maior parte dos leitores amaram o primeiro livro e tiveram a sensação de que a saga desencadeou nas continuações, mas comigo a experiência foi ao contrário. Achei o primeiro livro raso, superficial, bobinho, previsível, de criatividade mediana e duvidosa, falho em suas explicações e construções de universo. No entanto, fui me surpreendendo e me entregando às continuações e achei que parte desses problemas foram amenizados. Não excluídos, pois ainda falta bastante caracterização e momentos de respiro para mim, mas com certeza houve uma melhora significativa, mesmo com tantas coisas ainda em branco.
A questão dessa série pra mim é que se pegar pra ler com a expectativa certa, sem esperar a melhor e mais inovadora obra literária de YA do mundo, mas apenas como entretenimento mesmo, não tem como não gostar e não se divertir, mesmo que minimamente. Pra não chorar sobre o leite derramado e dando um voto de confiança, leria uma continuação sem problemas na esperança de ver as lacunas soltas resolvidas.