jota 14/04/2013O depauperadoEste livro de Carlos Heitor Cony tem apresentação de Mário Prata – tão engraçada quanto a história aqui contada – e na contracapa vem recomendado por ninguém menos do que um dos maiores críticos literários brasileiros de todos os tempos, Otto Maria Carpeaux.
Que não poupa elogios à obra, dizendo ser Pilatos um livro “(...) originalíssimo. Não tem semelhança com nenhuma outra obra da literatura brasileira.” Verdade que Carpeaux escreveu isso em 1975, mas de lá para cá não surgiu substituto à altura mesmo (mas bem que eu pensei em um ou dois livros de Campos de Carvalho). E conclui: “Quem tiver lido Pilatos estará melhor informado: sentindo toda a infelicidade de nossa condição humana e desumana. E o que se pode esperar mais de uma obra de arte?”
Pois é; livro cheio de humor do começo ao fim, mas que remete para um país que estava vivendo sob uma feroz ditadura militar – o livro é de 1974. Em todos os trechos onde aparecem militares ou eles estão batendo nos estudantes (que protestavam em passeatas) ou em presos sob seus cuidados...
Não apenas por isso, espanta também que o livro não tenha sido censurado na época, tamanha é a quantidade de palavrões, ofensas e situações verdadeiramente escatológicas que apresenta. Talvez por isso mesmo: as famosas pornochanchadas de nosso cinema eram igualmente liberadas pois não tocavam nas questões políticas.
Mas o livro de Cony vai muito mais longe do que aqueles filmes: é carregado de um simbolismo que provavelmente a inteligência dos censores não conseguia perceber ou então esses caras pensavam que, pelas primeiras páginas, Pilatos não passava de um livro apenas de humor mesmo – ou pior, ainda, de religião. Toda ditadura, além de truculenta, acaba se mostrando burra, não?
Sobre os agentes da repressão: “Da mesma forma que um dia nos prenderam da mesma forma um dia nos soltaram.” Sem explicação alguma e, claro, também sem educação alguma: “Vão pra rua, seus filhos da puta!”. E como sempre, debaixo de porrada.
Bem, como alerta Mário Prata, que ninguém espere encontrar aqui aquele Pilatos que era Pôncio e que tinha síndrome de limpeza, de lavar as mãos. Pois o personagem principal deste livro se chama Herodes e não é propriamente um ser humano, mas parte de um, do depauperado Álvaro Picadura.
Lido entre (muitas risadas) 11 e 14/04/2013.