Resenhas - Mistérios

Claire Scorzi 26/03/2009

O fantástico em Lygia Fagundes Telles
Nesse volume, quem não conhece LFT pode ter um contato com exemplares dos seus melhores momentos (mas não os únicos; ela é excelente romancista também). Da narrativa em primeira pessoa, "Emanuel", que mergulha na solidão da personagem feminina e faz uma brincadeira algo perturbadora com o significado do nome Emanuel ('aquele que há de vir'), passando pelo conto de terror crescente, que nunca é explicado, mas pressentido, de "As Formigas", até o simplesmente aterrador "Venha Ver o Pôr-do-Sol" (que para mim já se constituiu um clássico), LFT desfila com elegância de estilo sua variedade de temas e de situações : uma tapeçaria misteriosa que chama a atenção de um cliente numa loja (A Caçada) em autêntico clima de 'twilight zone'; a narrativa feita por uma menina a partir das conversas e notícias fragmentadas que ela ouve sobre a nova e estranha esposa de seu tio (O Jardim Selvagem); o surrealismo na invasão dos ratos numa sede governamental, lembrando Kafka e Cortázar (Seminário dos Ratos ); a descrição de um estado onírico, onde sonho e realidade parecem se fundir e anunciar a tragédia antes que possamos compreendê-la ou mesmo assisti-la (O Encontro).
Há outros. Quero mencionar só mais dois, para finalizar: a conversa entre duas mulheres numa barca, um conto sobre fé e milagre, sem qualquer 'pregação' - "Natal na Barca" - que nos deixa com uma sensação de leveza; e "Um Coração Ardente" - que talvez merecesse ter se tornado uma novela, onde o protagonista relembra sua juventude, seu idealismo, o primeiro amor, a primeira desilusão - e, ainda assim, encerra com palavras que evocam a experiência do transcendente. É doce-amargo, lírico e sereno. Perfeito.