thales.gaspari 23/03/2021
Quando eu li O Elogio da Loucura do Erasmo de Roterdã eu gostei tanto que achei que era algum problema de tradução. Daí procurei outra versão, mas continuei gostando e descobri que o livro é bom mesmo – não é nem um pouco à toa que chamavam o Erasmo de Tremendão durante os anos 60. Na verdade eu curti tanto este ensaio que se pudesse leria, inclusive, no original, mas infelizmente a única outra língua que falo além do português é japonês (sim, poucos sabem, mas em um ato de loucura repentino e passageiro estudei japonês durante mais de dez anos. Sei lá, na hora fez sentido).
Mas vamos ao livro. A melhor forma de começar a falar dele é ignorá-lo e falar de mim mesmo, claro. Eu sou o tipo de personalidade que a pandemia já estragou para sempre – bastou lá atrás (bem lá atrás mesmo, quando ainda achávamos que esperança a era algo que existia) falar-se em quarentena para eu sacar que teria mil problemas no futuro. Porque eu praticamente já viva quarentemado minha vida inteira – o que me faltava era uma desculpa. Pode não parecer, mas nas condições normais de temperatura e pressão é muito difícil convencer parentes, amigos, conhecidos, clientes e, principalmente, gente pra quem você deve até as calças que você prefere ficar isolado em seu quarto do que tomar parte com eles em qualquer atividade de cunho social. Então quando algum presidente deste país (não citarei nomes) resolver virar homem, parar de chorar, deixar o mimimi pra lá, assumir seus erros e enfrentar o problema da pandemia de forma a podermos viver algum tipo de vida minimamente normal novamente... Caramba, neste momento eu vou precisar seriamente de ajuda psicológica de novo. (mas tem que ser assim! O idiota precisa tomar jeito ou ser deposto, as pessoas estão sofrendo, esta presente situação é inaceitável). Quando o isolamento social puder ser relaxado eu vou ter que enfrentar tudo que estou empurrando com minha barriga desde que me dou por gente, e vai ser bem mais difícil do que era antes.
É, não é brincadeira. O último psicólogo em que fui chegou a um ponto onde me questionou, bem em meio a uma das minhas explosivas e arrebatadoras confissões que deixam a oratória do Padre Antônio Vieira no chinelo , se o que eu estava fazendo ali era brincadeira ou se eu estava mesmo falando sério. O fato de ele ter perguntado isso aos risos não ajudou em nada – porque daí me confundiu e perdi o que era de fato piada e o que era minha vida real. Enfim, este sou eu, e durante muito tempo eu achei que isto era um problema... Até trombar com este livro. Porque ele mudou muita coisa pra mim. Não me ajudou em nada, pra começo de conversa. Mas me fez pensar em jogar a culpa em outra coisa – que é uma das maiores lições de vida que em que podemos confiar para nos sentir bem. Talvez o problema não seja exatamente que eu nunca me encaixei, talvez o quê da questão seja onde estou tentando me encaixar. Por exemplo, Erasmo, o autor do Elogio, era um sujeito independente que valorizava muito sua liberdade e expressão intelectual, à parte de laços com pátrias e instituições religiosas; fico imaginando o desgosto deste maluco por ter vivido sua vida como um monge tentando expressar suas ideias no contexto rígido, formal e bestial da Escolástica. Ou ainda, como alguém que defendia uma ‘sabedoria pura’ mas que precisou tomar obrigatoriamente uma posição cobrada na disputa entre católicos e protestantes e só se fodeu por causa disso (fico pensando se isso de católicos e protestantes não devia ser o Bolsonarismo e o Petismo da época... Mas, enfim, não estou igualando uma coisa com a outra. Umas épocas tiveram a Peste Negra, outras o Bolsonarismo). O que devia ter feito ele? Não sei e nem tenho um Posto Ipiranga pra perguntar (ainda bem), mas sei o que ele fez. E uma das coisas foi ter escrito o Elogio.
No livro, o narrador é a própria Loucura. Ela se apresenta e nos apresenta o mundo inteiro tal como visto de sua ótica. É uma sátira da sociedade incrivelmente engraçada (e putaquepaiu, hein! Um livro de 1509 permanecer engraçado até hoje, sem exagero, é um feito raro). Há elogios imerecidos e denúncias contra hábitos e instituições que consideramos normais até hoje. Basicamente o ensaio é a exposição de várias hipocrisias sociais e uma tentativa de defesa do que Erasmo considerava correto. Novamente aqui me pego imaginando o desgosto dele quando este livro alcançou êxito mas nada mudou mesmo as pessoas lendo e rindo das coisas que ele queria mudar. (ok, é um texto datado também, e nem poderia deixar de sê-lo, mas a verdade é que me espanta o quão atual ele também é. Desconfio que pouca coisa mudou nestes quinhentos anos). Enfim,.. este é um livro que me dá esperanças. Esperança de que o mundo é mesmo governado pela Loucura – e sendo assim, a maior sabedoria é parecer louco.