bardo 18/01/2012
A Muralha - Dilma Silveira de Queiroz
Creio que o ponto mais importante a ser considerado na leitura desse livro, pelo menos aos que assistiram a minissérie que alega ter sido baseada no mesmo, é que isso não corresponde bem à verdade, fui informado da história narrada na minissérie e as incongruências são muitas, ouso dizer, o que não me surpreende em absoluto que o livro é muito superior. Entendido esse ponto o livro narra a vinda de Cristina, jovem portuguesa que vem ao Brasil casar-se com Tiago filho de um importante senhor de terras e bandeirante de São Paulo de Piratininga, atual cidade de São Paulo.
Com descrições vívidas e alguns personagens marcantes, a despeito da linguagem mais “pesada”, não chegando a ser rebuscado, o livro é escrito num estilo mais austero que estamos acostumados; a força e o drama vivido pelos personagens nos prendem a história, particularmente no que concerne à própria Cristina, Tiago, Isabel, Mãe Cândida, Margarida e Aimbé. É um livro de emoções fortes, de amores e ódios, mormente ódios intensos, onde o orgulho predomina o tempo todo. Veladamente critica-se a vida das mulheres na época do Brasil Colônia. Mulheres fortes, orgulhosas que se tornam mais “senhores” que os próprios maridos, os quais saiam à procura de ouro por meses a fio. Critica-se veladamente o machismo da época, que exigia que essas mesmas mulheres fortes, aceitassem os “casos” e filhos bastardos dos maridos, que em meio às bandeiras, tomavam índias como concubinas enquanto as esposas mantinham a castidade exigida para uma mulher cristã.
É nesse ambiente que chega Cristina, a qual decepção sobre decepção vê seu sonho de uma vida tranqüila se desintegrar; a chegada a São Paulo, uma vila miserável; a chegada a Lagoa Serena, seu novo Lar e a decepção com seu esposo prometido que não está ali a sua espera; sua fria acolhida quando o mesmo chega tudo isso vai solapando as ilusões de Cristina, que apesar de tudo se resigna e aceita essa nova vida.
Um evento vem, alias dois eventos, entretanto a desestruturar a vida em Lagoa Serena por completo, Isabel aparece misteriosamente grávida, as dúvidas e incertezas a respeito de quem seria o misterioso pai, iniciam uma avalanche de desgraças sobre a família. Em paralelo, Rosália a filha mais moça envolve-se com um homem de reputação duvidosa, a semente de desgraça plantada aí vai gerar frutos mais a frente, com consequências imprevisíveis a todos.
Em meio a isso temos de pano de fundo as Bandeiras, a Guerra dos Emboabas, a narrativa vai seguindo ao seu final, rumando vertiginosamente à desgraça. A autora soube dosar os acontecimentos prendendo o leitor, algumas cenas são vívidas o bastante arrancar lágrimas do leitor, tamanha a força da descrição e o desespero sugerido na trama.
O final é um tanto frustrante, não por ser inesperado, mas por de certa confirmar o quão limitado eram as escolhas das mulheres naquela época (naquela época??). Remete-nos diretamente a um dos pontos altos do livro quando Cristina, a poucos dias do casamento vai confessar-se, o padre que se subentende seja o chefe dos Jesuítas, ouve Cristina a qual de repente expõe toda a sua mágoa e frustração. Ele então compara o casamento de uma moça vindo do Reino, a missão dos Jesuítas ao vir a uma terra desconhecida que não os queria e os molestavam, entretanto entre amor e ódio resignavam-se a cumprir sua missão sabendo que no futuro isso geraria frutos. Causa-nos surpresa a forma com que o padre a acolheu, ele de fato não criticou sua dor, entretanto veladamente o conselho era entregar o sofrimento como oferta a Cristo. Perfeito para a época, mas um tanto revoltante nos nossos dias. É exatamente o que ela acaba fazendo no fim. O livro encerra com uma profecia, de como aquela vila miserável de gente orgulhosa poderia afinal se tornar uma grande cidade.