Kelvin 19/02/2021
Você é daquele tipo de pessoa que já falou "coach é merda, procure um psicólogo"? Pois é, eu já falei esse tipo de coisa, até que procurei uma psicóloga para falar sobre um problema que depois foi diagnosticado como TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade). Foi uma das piores experiências da minha vida, a psicóloga me enrolou das mais diversas formas, queria tentar achar a raiz do meu problema em traumas do passado e quase me fez pagar um número absurdo de sessões para tratar de um problema que nem era tratável pela abordagem que ela queria aplicar (a psicanálise). Depois, indo à psiquiatra, recebi o diagnóstico correto e fui alertado quanto ao charlatanismo de certos psicólogos. Desde então, tenho encarado a psicologia assim como o coaching, exceto por aqueles poucos profissionais realmente dedicados. Neste livro, o psiquiatra britânico Theodore Dalrymple (autor abordado no meu podcast "BBB 2021 e as consequências do sentimentalismo tóxico") procura mostrar como a psicologia contribuiu para o desgaste da moral, não tendo sido uma ciência verdadeira ou minimamente eficaz para curar os males da alma, contribuindo, na verdade, para uma piora generalizada desses mesmos males. Podemos perceber isso na ascensão de um tipo de moralidade enviesada e no crescimento do uso cada vez mais indiscriminado de antidepressivos e outros medicamentos.
Para desenhar sua visão, ele começa criticando os autores mais hypados da psicologia, como o o Sigmud Freud, que é revelado como um vigarista e um fabricador de provas falsas. Toda a sua teoria do inconsciente apela para um elemento vago, desconhecido e impossível de se estudar de forma obejetiva, o que no fim das contas se torna apenas desculpa para fazer as pessoas gastarem dinheiro em infinitas sessões de terapias inúteis tentando sondar um passado do qual nem o paciente e nem o psicólogo podem chegar a nenhuma conclusão certa. Dalrymple também expõe o absurdo da ideia de que patologias se originam de desejos reprimidos, explicando que, ao contrário do que diz a psicanálise, alguns desejos precisam mesmo ser reprimidos. Ele cita o exemplo de um rapaz que matou a namorada, pois não sabia o que teria feito se não a tivesse matado. "Algo grave, talvez", avalia sarcasticamente o psiquiatra.
"Freud fabricava provas tanto quanto Henry Ford fabricava carros; era um plagiador que não só não reconhecia como deliberadamente negava a origem das suas ideias"
Outra corrente da psicologia que é fulminada de críticas é o behaviorismo de Skinner, que reduziu o ser humano apenas a um simples jogo de estímulo-resposta (um animal que pode ser adestrado), ignorando alguma dimensão metafísica que interfira no comportamento do indivíduo. Se, na literatura e no cinema, Laranja Mecânica (Anthony Burguess) evidenciava a impossibilidade de um psicopata se transformar em cidadão de bem por meio de procedimentos duvidosos, na história real presenciamos o uso de eletrochoques para tentar curar a homossexualidade. Tudo baseado em Skinner. Podemos ver mais limitações do behaviorismo no famoso caso Phineas Cage, que é a história de um homem que teve uma barra de aço atravessada no seu crânio em um acidente e sobreviveu. Depois de curado, no entanto, tornou-se um psicopata insensível aos valores morais. Embora, no geral, o behaviorismo seja efetivo no tratamento de fobias simples e muito específicas, é inútil para dizer algo sobre casos como o do Phineas Cage.
"Talvez a maior conquista de Skinner tenha sido estimular a resposta de Anthony Burgess ao behaviorismo em Laranja Mecânica, em que Alex é condicionado a abandonar o seu amor pela música clássica por meio de choques elétricos administrados enquanto ele escuta a Nona Sinfonia, de Beethoven."
No terceiro capítulo, o alvo dele será a TCC (Terapia Cognitivo Comportamental), que tentou ao menos corrigir o erro do behaviorismo, adicionando uma nova dimensão: o pensamento. O problema é que isso acabou se transformando na famigerada auto-ajuda, com seus mantras de pensamento positivo. De fato, às vezes o pensamento pode convencê-lo de muitas coisas, é só observar as pessoas que acreditam ter doenças só de ler algo sobre uma doença da qual nunca ouviram antes (hipocondríacos). O problema é que isso cria uma classe de pessoas que começam a alimentar pensamentos no sentido de que não são responsáveis por seus atos, mas apenas alvos de uma doença (casos como o do Fiuk no BBB 2021 são emblemáticos). Nesse sentido, a maior arma para resolver problemas de sanidade mental no trabalho se tornou a canetada do médico, que colocará o paciente numa colônia de férias para curar seus males. Isso alimenta uma cultura de vitimismo que ele procura abordar em outro livro dele: "Podres de Mimados: as consequências do sentimentalismo tóxico". Dessa forma, nenhum comportamento é mais criticado, apenas "compreendido", e as pessoas devem "aprender a se perdoar", mesmo quando cometeram atos terríveis. O multiculturalismo nasce nesse bojo, culturas diferentes não podem mais ser criticadas só por serem diferentes, um índio que mata seus bebês ou o radicalismo islâmico deve apenas ser compreendido dentro do seu contexto.
A TCC muitas vezes procura transformar uma pessoa patética num sujeito "faço e aconteço", mas o problema é que aumentar a autoestima não diz nada sobre os resultados concretos (em certas situações criam um indivíduo tão confiante e compreensivo com seus próprios defeitos que seus resultados pioram), ele conta até a história de um amigo professor que teve que deixar de corrigir provas em vermelho para não acabar com a autoestima dos alunos. A supervalorização da autoestima cria aberrações, pessoas que "responsabilizam as estrelas pela sua devassidão" (Rei Lear - Shakespeare), em criminosos terríveis (daqueles que assassinam e torturam dezenas de pessoas da forma mais vil) que se orgulham dos seus feitos e, depois, não são punidos, mas "reabilitados" por fazer livros em Braile para cegos (portanto, segundo a nova psicologia, tornam-se bonzinhos do dia para a noite). Isso subverte o primordial objetivo da prisão, que, no dizer de C.S Lewis, é proteger quem está lá fora e não cometeu nenhum crime e não necessariamente reabilitar o bandido.
"Pessoas muito ruins estão cheias de autoestima; criminosos famosos, por exemplo, que se orgulham de seus feitos. A autoestima do mal é arrepiante."
A neurociência, por outro lado, apesar de mais objetiva e confiável, teve seus saldos negativos. A ideia de poder explicar comportamentos indesejáveis apenas pelo desequilíbrio químico cerebral nos levou a uma aparente explicação mágica, deixando outros fatores de lado. Nesse sentido, a depressão em uma época era deficiência de noradrenalina, em outra época já passa a ser deficiência em outro neurotransmissor. Atitudes que poderiam ser compreendidas como normais na literatura de ficção, como Gertrude, mãe de Hamlet, se casar com Claudius para superar a dor, agora se tornam sintoma de uma doença passível de cura por meio de algum remédio que altere a química cerebral. Dalrymple, sendo muito culto, vez por outra se serve dessas analogias brilhantes com a literatura universal para explicar o absurdo de algumas linhas de pensamento.
Hoje em dia, a neurociência incutiu a ideia de que podemos desenhar nossas personalidades com o uso de químicos, adquirir autoconfiança, eliminar comportamentos irascíveis, tornar-se mais estudioso ou mesmo mais ativo socialmente. Na outra ponta, popularizou a ideia de que os genes podem explicar tudo, transformando o homem moderno no tipo de pessoa que "responsabiliza uma estrela por sua devassidão" (Shakespeare). É preciso, muitas vezes, apelar para exemplos extremos para compreendermos que muitos vícios são muito mais frescura (expressão que, quando utilizada nos dias de hoje, pode causar muita polêmica), como é o caso em que Mao Tsé Tung acabou facilmente com o vicio em cigarros usando medidas repressivas, algo que décadas de neurociência e fármacos não conseguiu fazer com muito sucesso. Esquadrinhar os genes humanos apenas com base em genética e química, portanto, o reduz ao nível de uma ameba.
"O conceito de desequilíbrio na química do cérebro como a origem dos pensamentos, desejos, humor e comportamento, principalmente quando é mau comportamento, foi aceito pelos estudiosos do fim do século XX com a credulidade só excedida pelos camponeses medievais diante das relíquias religiosas."
Mais à frente, ele segue comentando alguns pensadores, como o sociólogo Émile Durkheim, que entendia o aumento do número de criminosos como essencial para aumentar a solidariedade social, como se já não houvessem criminosos demais para que esse pensamento pudesse ser considerado válido. O que percebemos é que, para explicar a criminalidade (algo que antes era explicado pelo existência do diabo), nada foi suficiente para aplacar nossas dúvidas quanto à sua verdadeira origem, seja ela hereditária, fruto de um complexo de Édipo mal resolvido ou o que quer que seja. Pior do que isso, a maioria das explicações pretendem reduzir o fenômeno da criminalidade invertendo o jogo e transformando criminosos em vítimas dignas de pena, ou seja, presenciamos um novo tipo de virtude calcada numa visão sentimentalista de mundo.
Os evolucionistas procuram dar uma explicação mais refinada, mas esbarram no problema do gene egoísta (Richard Dawkins), em contraposição ao gene solidário (Robert Trivers). Este último tenta explicar a solidariedade com base nos insetos sociais, esquecendo-se de que seres humanos não criam colmeias. Esse panpsiquismo, tentativa de atribuir metas e propósitos ao inanimado (vírus e genes), esbarra em inúmeros outros problemas, como a moral. Se a moral puder ser explicada biologicamente é de se supor que seja atributo de uma inteligência maior; caso contrário, se a biologia não explica a moral, ela não é suficiente para esgotar certas perguntas fundamentais.
A criminalidade e a maldade humana não são preto e branco, o experimento de Stanley Milgram, descrito no seu livro "Obediência à Autoridade", mostra como cidadãos comuns, aplicando eletrochoques em outros indivíduos sob a tutela de um especialista, podem ser cruéis aplicando choques cada vez mais severos que, se fossem verdadeiros, seriam suficientes para eletrocutar um indivíduo até a morte; entretanto, como acreditam cegamente na autoridade de um suposto especialista, não enxergam que nada demais em sua maldade ocasional. Como podemos perceber, explicações sobre a natureza humana são mais complexas do que sonham nossas vãs psicologias. Até por isso Shakespeare é o autor mais citado pelo psiquiatra britânico. A dimensão trágica da existência humana, de fato, é muito mais bem captada pela literatura, enquanto é negada pela psicologia.
"Lear em sua loucura afirma: "Oficial velhaco, suspende tua mão ensanguentada! Por que chicoteias essa prostituta? Desnuda tuas próprias costas. Pois ardes de desejo de cometer com ela o ato Pelo qual a chicoteias." Essas palavras de Shakespeare, escritas há quatrocentos anos, ilustram a maneira como podemos? não devemos? projetar sobre os outros nossos fracassos e malevolências, atribuindo a eles nossos desejos ilícitos ou pensamentos secretos.".