Carlos Rubio 25/10/2017Histórias às vezes nos desapontam. Às vezes nos esfaqueiam o coração."...histórias são como pessoas , Atticus. Gostar delas não as fazem perfeitas. Você tenta exaltar suas virtudes e ignorar seus defeitos. Mas os defeitos continuam lá."
Matt Ruff entrou em minha vida por acaso. Li “Set this House in Order: A Romance of Souls” sem muitas expectativas, além do fato de encontrar na sinopse um livro em que o fio condutor era o transtorno dissociativo de identidade do protagonista me parecer bastante interessante. E terminada a leitura, de fato o livro surpreendeu sendo uma das melhores leituras que fiz este ano. Um romance engenhoso e muito bem escrito que te prende do inicio ao fim.
Fui atrás de outros títulos do autor e aproveitando o fato de estarmos em outubro, peguei este “Lovecraft Country” esperando ler um livro de terror (por motivos de Lovecraft no título) no mês do halloween. E não me decepcionei.
“Lovecraft Country” faz uma grande homenagem a autores como Stephen King, Kurt Vonnegut, Phillip K. Dick, Stevenson e claro ao próprio Lovecraft. Pequenas recorrências que se tornaram características clássicas destes autores funcionam como peças de um quebra cabeça que ajudam Ruff a dar corpo ao panorama geral, um grande mistério que leva a uma hermética cidadezinha do interior não muito amistosa com forasteiros - ainda mais se eles forem negros (chegarei nisso mais a frente), portais que uma vez abertos nos levam a planetas habitados por feras hostis e a paranoia que oprime a todas as personagens do livro que além de terem de lidar com perigos palpáveis sofrem também com uma entidade invisível, mas muito mais perigosa: O racismo.
O livro se passa em Chicago nos anos 50, a segregação entre negros e brancos era ainda mais explicita que nos dias de hoje. A história começa quando Atticus depois de receber um telegrama de seu pai parte com seu tio George e sua amiga de infância Letitia em uma viagem para um lugar que eles se referem como Lovecraft Country em busca de Montrose, pai de Atticus e meio irmão de George que sumiu. Montrose é obcecado com um mistério familiar que habita a árvore genealógica de sua finada esposa e seu sumiço é diretamente relacionado com essa busca que já dura mais de 20 anos.
Nesta viagem que culmina na mansão dos Braithwhite, família que esta diretamente ligada ao mistério que tanto intriga Montrose. O trio se depara com um culto misterioso e situações sobrenaturais que parecem saídos diretamente dos livros que Atticus e George tanto amam. Mas o terror mesmo fica por conta das situações preconceituosas que para as personagens do livro são situações corriqueiras e comuns na américa branca regida pela lei de Jim Crow. Mas durante a leitura toda violência sofrida por eles me deixou extremamente angustiado.
O livro é estruturado em capítulos onde o foco sempre muda para um personagem diferente. Então Letitia que aparece na primeira parte junto com Atticus, George e Montrose volta no segundo onde somos introduzidos a sua irmã Rose que volta em um próximo capítulo onde somos introduzidos a Hippolyta esposa de George e assim por diante. A cada capítulo um novo detalhe do grande plano de poder do líder do culto é revelado e a cada detalhe a trama fica mais viva e instigante.
“Lovecraft Country” ficou um pouco abaixo de “Set this House in Order” pois o uso de referencias literárias se tornou um pouco cansativo para mim. Mas isso não faz deste um livro ruim, pelo contrario. A trama engenhosa, a vivacidade com que as relações interpessoais são descritas e o tom leve e divertido, apesar da mensagem pesada por trás, só mostrou mais qualidades desse autor que com certeza seguirei acompanhando.