Dhiego Morais 10/02/2019Locke & Key: Bem-vindo a LovecraftApesar de já conhecer Joe Hill por A Estrada da Noite, seu primeiro romance, foi Mestre das Chamas que definitivamente me cativou e me fez prestar mais atenção nas suas obras lançadas aqui no Brasil. Desta forma, fiquei surpreso quando Locke & Key foi anunciado nas terras tupiniquins pelo selo Geektopia, da editora Novo Século. Black Friday vai, Black Friday vem, acabei arriscando e adquirindo o livro.
Locke & Key é o primeiro volume de seis de uma graphic novel de fantasia com elementos de terror sobrenatural, escrita por Joe Hill e com arte de Gabriel Rodriguez. Premiada inclusive com o British Fantasy Award, a história deverá ganhar uma adaptação pelo canal de streaming Hulu.
“Eles precisavam de algumas portas fechadas entre eles e o que aconteceu”.
Nesse primeiro volume, Joe Hill demonstra logo nas primeiras páginas a sua habilidade nata em escrever histórias de terror. Aqui fica claro que ele soube transitar muito bem entre a prosa verborrágica dos romances e a fluidez e agilidade dos quadrinhos. Valendo-se do recurso gráfico, Hill narra dois momentos temporais, alternando entre o passado e o presente da família Locke, sempre prezando em manter um clima essencialmente de suspense que gela os ossos e provoca ansiedade no leitor.
O passado da família Locke é assombroso, cheio de dor e assassinato. Logo, a ideia de se mudar para Keyhouse, uma mansão da família em que o patriarca havia crescido na Nova Inglaterra parece a melhor opção.
Apesar de Locke & Key aparentar ser uma história simples de assassinato e passado obscuro de uma família “X”, Hill é capaz de delinear com maestria um cenário de melancolia, revolta, tristeza e bullying, sem se esquecer dos valores fraternos.
É complicado falar sobre a trama do quadrinho, pois o plot inicial, o assassinato é tudo o que sabemos no início, e o mistério da obra gira justamente em entender como e por que tudo aquilo aconteceu com a família Locke e suas consequências em Lovecraft, Massachusetts. Claro, como boa parte das obras de Hill, a história não é tão simplória e se aproveita do sobrenatural para construir uma trama ainda mais complexa com o passar das páginas.
Em Locke & Key os leitores são levados a conhecer a família Locke. Tyler é o filho mais velho de Nina e Rendell. Robusto e durão, ele é o típico adolescente impaciente, mas que prefere sofrer longe dos olhos alheios. Os traços de Gabriel Rodriguez, embora delicados, dão toda a caracterização necessária para explicitar a solidão e a raiva do jovem. Kinsey é a adolescente que sofre uma transformação inclusive física e de comportamento, após o trauma. A melancolia também está nos traços da ilustração. Bode é o mais novo, um garoto ainda, cuja imaginação ferve com a idade. Ainda que seja muito jovem, Bode é sensível às transformações de sua família ao seu redor, e pouco lhe escapa. No entanto, inocência e ingenuidade também fazem parte de suas características. Hill aproveitará muito a ideia de Bode ao longo do primeiro volume dessa série de quadrinhos.
É válido ressaltar que o autor não mede palavras nem descrições, erguendo cenas visualmente pesadas e impactantes, parte disso graças à parceria com Rodriguez. Diferentemente de algumas HQs, em Locke & Key há uma série de cenas violentas, afinal, a história das personagens principais não é bela. Hill consegue transformar esse suspense em terror, e esse terror em choque, pois não há segurança para ninguém.
“Eu fiquei bom em adivinhar o que acontece a seguir. É como um dom”.
Em busca de não tornar a história demasiadamente fantasiosa, os vilões, por assim dizer, da HQ, realmente são capazes de estimular as mais diferentes aversões dos leitores.
É muito interessante como Hill trabalha as questões sociais como pobreza, violência, mentiras e ausência de amor ou abandono nas vidas de algumas personagens.
Locke & Key trata de valores familiares e também do valor, do peso que o passado tem para cada um de nós; de escolhas difíceis que precisamos tomar independente da idade. Cada chave abre uma porta. Basta coragem para querer atravessá-la.
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