Maurino 22/07/2011
Palavras de fogo.
É no inaparente abrigo quotidiano e ordinário que aparece o extraordinário, em suma, é aí mesmo que emerge o espanto. Sob a proteção do arco de Artémis, a palavra de Heráclito se remete à tensa proximidade dos deuses, à luta essencial da éris. Embora haja uma tendência em se ver uma “falta” em seus fragmentos, principalmente oriunda da obsessão filológica, neles ainda podemos vislumbrar a experiência essencial do a-se-pensar do autor. Conhecido como “o Obscuro” por seus contemporâneos, Heráclito é um pensador originário, cujo pensamento pensante não é nem objetivo e nem subjetivo; e sim é o que nos precede e acede, em suma, o que nos faz pensar. Por abrigar em seu bojo o que permanece impensável, o pensamento de Heráclito encerra em si mesmo o que o permite ser ainda melhor compreendido por outro do que por ele mesmo - a desmesura. Portanto não é a falta, ou o mal-entendido, que define a sua obra, essencialmente fragmentária, mas sim a Hýbris, a partir da qual ela pode ser sempre compreendida de uma nova forma. Não há falta, significado literal e nem texto completo em Heráclito; há sim a brotação incessante que só vigora na obscuridade. É nada que nadifica, em virtude do qual ele pensa mais do que ele pensa, acha e diz que sabe. Segundo Heidegger, Heráclito pensa a enigmática presença ausente do lógos. Nesse livro fantástico e obscuro o, a meu ver, maior filósofo contemporâneo, nos apresenta o seu Heráclito.