Léia Viana 10/11/2019
Cartas são as impressões de quem as escreve
A intimidade de uma carta sempre foi sedutora. O fato de você enviar uma carta e aguentar a expectativa da espera de uma resposta era algo muito, muito bom que a tecnologia nos roubou para mensagem de textos instantâneas, com palavras abreviadas e cheia de emojis. Mesmo assim sigo querendo ler temas de cartas nos livros, especialmente as verídicas. Quanfo li "Cartas Extraordinárias" fiquei encantada com a seleção feita, com a riqueza cultural disponível ali nos fac-similes, nas reproduções de linhas escritas por anônimos e pessoas não tão anônimas assim. Já "Cartas Brasileiras" a seleção escolhida achei significativa para conhecer um pouco mais do nosso país e das pessoas que se envolveram com ele, mesmo que por pouco tempo.
Adorei ler, conhecer a letra e reafirmar o que pensava a respeito de Renato Russo, sua carta para o Maurício Valadares (DJ e fotógrafo) deixou registrado que até o ato de escrever Renato era muito criativo, brincando com o inglês, alguns símbolos e um pouco de humor, sua letra era muito bonito e ele soube em poucas linhas transmitir para o seu destinatário o que sentia naquela carta: bondade e ansiedade. Todas às vezes em que peguei o livro para ler abria na carta de Renato.
Também gostei de conhecer a letra de Albert Einstein e pela indicação, para o presidente do comitê Nobel da Noruega, que entregasse o prêmio Nobel da Paz ao sertanista brasileiro Marechal Cândido Rondon, pelos trabalhos humanitários que ele exercia. Uma pena Einstein não ter sido atendido, mas foi bacana saber que ele esteve no Brasil e que ficou maravilhado com a beleza do Jardim Botânico.
Também fiquei emocionada com o gesto, muito mais que os dizeres da carta, que Elis Regina escreveu ao filho João, quando ele tinha nascido e que a intenção era guardá-la e entregar a ele aos 18 anos de idade.
Eu me senti realmente presenteada quando percebi que na seleção de cartas haviam as cartas de Clarice Lispector, Ana Cristina César e Caio Fernando Abreu, meus escritores nacionais favoritos. Ana Cristina César fez parte da geração Marginal e a carta dela, que até então nunca li nada do qual ela registrasse o interesse por política, registra sua vontade em conhecer melhor nosso país, após a morte de João Goulart. "A participação política é emocionante".
Mas nada te prepara para carta de Olga Benário. Uma carta que te dilacera, dói na alma mesmo, tanto, que parei a leitura nessa carta e fui pegar o livro dias depois para tentar recomeçar a ler. A carta de Olga é a aceitação do nunca mais. A dor por não ter mais a vida, por não ter mais a filha, por não ter mais o marido, por não ter mais nada e por saber que iria morrer no dia seguinte. Essa carta foi muito triste.
Outra carta com conotação de tristeza, diferente da de Olga, mas que mostra que a maldade alheia não tem limites, ou melhor, que a noção de maldade ultrapassa qualquer coisa é de Zuzu Angel em resposta a uma pessoa que escreve, relatando que as pessoas morrem mesmo. Zuzu Angel perdeu o filho e não pode enterrar o corpo e, como ela descreve na carta, ela nem sequer sabe realmente se o filho dela está morto. A carta é triste, mas é uma outra tristeza, é a dura realidade em perceber que nem todos se solidarizam com a dor alheia.
Esse livro de cartas também serviu - ao menos para mim - para perceber o quanto conheço pouco da história do nosso país e de quem fez parte dele. O poeta Carlos Drummond de Andrade e o colunista político Carlos Castelo Branco não se davam muito bem entretanto, a carta endereçada a Castelo que Drummond escreveu a ele pela perda do seu filho é uma das cartas mais solidárias que eu já li na minha vida. São poucas linhas, mas muito bem escrita e muito respeitosa.
Mas nem só de ilustres conhecidos é feita essa seleção de cartas. O livro traz uma carta de um anônimo ao jornal "O Globo", é uma espécie de desabafo em relação ao vestuário da época. Achei bem humorada, assim como em poucas linhas é o telegrama de Luiz Schwarcz - editor da Brasiliense - para João Batista da Costa Aguiar, um dos maiores designers gráficos do Brasil e responsável pelo nome de uma das editoras de nosso país: "Companhia das Letras"
e que estava desaparecido do trabalho por um bom tempo.
Quis registrar as cartas que mais me impressionaram, as demais cartas não mencionadas aqui e que estão no livro são interessantes em algumas linhas, outras pelo conteúdo histórico que retrata uma época do nosso país: quanto a escravidão, quanto a guerra, quanto a monarquia da época, quanto aos índios.
Leitura recomendada!