Toni 03/03/2022
Leitura 064 de 2021
*Cortesia da editora*
Andaimes [1996]
Mario Benedetti (Uruguai, 1920-2009)
Mundaréu, 2017, 248 p.
Trad. Mario Damato
A cada nova leitura do Benedetti mais me encanta a literatura feita de cortes leves mas profundos deste autor (amigo muito admirado pelo Saramago, que é citado no romance). Eu, que já guardava A trégua em um lugar do ❤️, abro agora mais espaço para Andaimes. Ao resolver folhear os trechos grifados antes de escrever os parágrafos que seguem me descobri relendo páginas inteiras—passagens com um fôlego tão único, com construções tão hipnóticas, frases com exatidão tão delicada que imediatamente nos levam de volta ao presente do livro. E lá nos abandonam.
Benedetti constrói um romance complexo e cheio de camadas sobre esse lugar indefinível do “desexílio”, espécie de encontro entre o país da memória que se leva dentro de si e o que foi feito da memória que ficou no país ao qual se retorna—nas palavras do autor: uma “restauração imaginária de um regresso individual”. Ainda que colado ao protagonista Javier, jornalista divorciado que passa mais de dez anos exilado na Espanha e finalmente retorna a Montevidéu, o romance apresenta diferentes perspectivas dos lugares de interpelação das memórias da ditadura: ex-presos, exilados, isentões, oportunistas, delatores, emigrados, desaparecidos, alijados, familiares, vítimas e torturadores.
Para Adorno, “os antagonismos não resolvidos da realidade retornam às obras de arte como os problemas imanentes da sua forma. É isto [...] que define a relação da arte com a sociedade”. Por meio de capítulos que se articulam como andaimes (imagem-síntese do romance), cada momento do livro testemunha a impossibilidade de se relacionar com o presente sem acertar as contas com o passado ou, ainda, de se elaborar o passado sem atenção às perguntas do presente. O desexílio é a expressão máxima desse impasse. Frente a um trauma coletivo ainda carente de elaboração, cada encontro de Javier revela, na verdade, as rachaduras de um edifício democrático alicerçado sobre violências, esquecimentos e exploração imperialista. Não muito diferente, é verdade, desta nossa distopia brasileira.