Paulo 02/12/2021
O segundo volume de Witches começa com a história Petra Genitalix que é uma releitura da bruxaria a partir da abordagem céltica. Na narrativa somos apresentados a Alicia, uma jovem garota com uma percepção um pouco fora do comum que vive em uma aldeia afastada dos grandes centros urbanos com Mira. Apesar de seu jeito descontraído e brincalhão, Mira possui um vasto conhecimento sobre as engrenagens que movem a vida. Ela tenta passar esses conhecimentos aos poucos para sua aprendiz para que no futuro ela possa assumir suas funções. Um acidente em um voo espacial vai mudar a vida de ambas drasticamente. Um astronauta é atingido por uma pedra bem no visor e é trazido às pressas para a Terra, sendo que não era nem para ele ter sobrevivido. Infelizmente isso ativa a Pedra Genitalix, uma pedra mística que tem o controle sobre o desenvolvimento da vida.
Essa é uma história um tanto quanto confusa em relação às demais, mas a gente consegue entender mais ou menos aonde Igarashi quer chegar. Fala-se muito no ciclo da vida e a necessidade do ser humano de abrir sua mente não apenas ao conhecimento mundano, mas aquilo que transcende o mundo material. Somos colocados em uma aldeia que valoriza esses conhecimentos antigos, seguindo velhas tradições trazidas por séculos como a lenda do Krampus, um monstro que vem no Natal punir as crianças malcriadas e purificar o novo ano que se aproxima. O tempo todo somos colocados diante da evolução dos animais e do homem e o quanto isso segue uma espécie de ordem natural. Porém, o homem deseja controlar todos os aspectos da existência. Mas, ter este controle é basicamente impossível por ser algo ao qual não estamos preparados para compreender. Quando a Pedra Genitalix se ativa, a evolução começa a ocorrer de forma desenfreada, atingindo objetos e criaturas.
Achei curioso como nesta história o autor faz uma antítese entre o paganismo e o cristianismo com enviados do Papa indo até Mira para obter sua opinião sobre como lidar com a ameaça presente. Os membros da Igreja são aqueles que repudiam e criticam a participação de Mira no esforço de dar um jeito na pedra que havia deixado o mundo de cabeça para baixo. Essas pessoas são aquelas que não se esforçam para compreender que o mundo é muito mais do que eles conseguem ver materialmente. Além disso, preferem emitir um julgamento com base em uma visão estreita e reduzida. A bruxa é o ser maligno, é aquele que precisa ser retirado do contato com outras pessoas. Mas, a bruxa é a única pessoa com um nível de conhecimento suficiente para saber o que fazer com a ameaça. Mesmo em uma história que remete a uma pitada de ficção científica, Igarashi nos mostra o quanto o ser humano ainda não está preparado para uma evolução subsequente.
A última história grande (tem mais uma curtinha no final) se chama Ladra de Canções e lida com o caráter mais manipulador da figura da bruxa. Hinata é uma estudante insatisfeita com sua vida tediosa e rouba um envelope com o dinheiro de uma excursão de sua escola. Ela leva o seu vizinho junto consigo com quem ela tem uma quedinha e juntos eles embarcam em um navio sem um rumo definido para eles. Durante a viagem, Hinata conhece uma estranha garota chamada Chitaru com quem ela desenvolve uma certa afinidade. Em suas conversas, Hinata descobre um novo tipo de prazer apreciando o poder dos elementos tocando em seu corpo e se tornando uma só com a terra. Depois de abrir sua percepção para um novo universo, Hinata está preparada para finalmente aceitar a si mesma. Mas, para isso ela precisa fazer uma última viagem a uma pequena ilha onde Chitaru diz ser possível escutar uma música vinda da natureza como nenhuma outra existente.
Não vou falar tanto da narrativa em suas temáticas porque ela é bem direta, diferente das outras que fazem idas e vindas. Temos um estilo bastante sensorial aqui, com Igarashi se focando em sons e sensações. Trabalhar com o sentido do tato em uma história em quadrinhos é bem complicado, mas o autor conseguiu fazer isso muito bem através de uma sequência de cenas que focam no vento tocando a pele ou na água abaixo dos pés. A personagem se vê envolvida em um mundo maior do que ela, percebendo o quanto ela é insignificante e ao mesmo tempo parte do todo. Ao se entender como parte do todo, parece que seus sentidos se abrem por completo revelando novas nuances para aquilo que a cerca. Se formos pensar a partir de alguma característica da bruxaria em si seria a abertura para o mundo da natureza. E que esta não é boa e nem ruim, mas segue suas próprias regras. Podemos ser abençoados ou amaldiçoados por ela.
Witches é um mangá surpreendente que consegue entregar boas histórias e abordar diferentes aspectos do que significa ser uma bruxa. O autor consegue pegar uma série de influências vindas de todas as partes do mundo para compor algumas histórias diferentes enquanto ressignifica outras. A arte é aquele "ame ou odeie". Isso porque Igarashi usa uma arte bem crua que por vezes incomoda enquanto por outras encanta. Fiquei em um meio termo gostando de algumas e não conseguindo entender outras. No fim, foi uma experiência bastante satisfatória.
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