ritita 25/06/2021Que livro foi esse?Mary Del Priore encontrou uma congênere a sua altura, com a diferença de romancear, muito bem romanceado, um pedaço infeliz de nossa história.
Houve um tempo em que este livro foi muito falado, mas não dei a atenção que deveria ter dado. A hora foi agora, mas como diz Damiana no livro "nada do que foi feito está por fazer, desta forma, não há motivos para arrependimento".
Demorei mais que o normal para ler porque quis situar alguns lugares e situações que vivenciei na Bahia.
Uma saga triste e lamentável que é narrada desde a África, ainda em memória recente de muitos dos pretos que agora estão na Bahia.
Eliana destrincha não apenas os terríveis sofrimentos dos escravos, mas também as alegrias, sonhos e esperanças de seus antepassados negros e negras que remontam desde a travessia forçada de África em direção ao Brasil para servirem de força de trabalho para as plantações dos aristocratas brasileiros, que lucravam e viviam a base de suor e sangre negro.
Muito antes das mulheres brancas brigarem pelo direito de trabalhar fora de casa, as mulheres negras, antes escravizadas e depois libertas, já contribuíam economicamente para a manutenção do status quo dos senhores brancos, e posteriormente dariam uma grande contribuição no sentido de garantir o sustento de suas famílias, de seus filhos.
Algumas partes do livro que marquei:
"....Depois de tirar toda aquela roupa dos caldeirões com o alvejante, Isabela, Umbelina e Dasdô, cantando sambas de roda numa mistura mágica de português com nagô, ewe e outras línguas D’África, acomodaram tudo em balaios e se puseram na parte de trás do sobrado, a estender uma a uma as peças muito alvas no extenso varal e no gramado. Na varanda atrás da cozinha, Cecília pilhava milho. Risos misturados com os cantos e com o cheiro de limpeza. O sol fervendo e a roupa secaria cheirosa, alva e brilhante..."
"Martha reuniu forças e fez toda a questão de ir ao Ilê Axé Opô Afonjá, depois à Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, onde o corpo ficou exposto".
Juntamente com a história dos seus, Eliana nos posiciona sobre os acontecimentos políticos do país, inicialmente da Bahia, em época que os canavieiros mandavam e desmandavam no Brasil.
Um retrato certeiro e preciso das páginas infelizes de nossa história, onde são sempre os mesmos nos mesmos lugares, ainda que nenhum sacrifício seja feito para isto, deixando os pretos e pobres com as sobras e os restos dos seus feitos.
Esta saga ganhou o Prêmio Oliveira Silveira de 2015, da Fundação Cultural Palmares/Ministério da Cultura e foi menção honrosa do Prêmio Thomas Skidmore 2018, do Arquivo Nacional e da universidade americana Brown University.