Tito 01/09/2018
A arte de pesquisar
GOLDENBERG, Mirian. A arte de pesquisar. Como fazer pesquisa qualitativa em ciências sociais. 8 ed. São Paulo: Record, 2004.
A autora introduz seu texto expondo uma nova perspectiva sobre a metodologia de pesquisa, isto é, uma perspectiva que considera esta disciplina não como algo chato, mas prazeroso.
Goldenberg ainda expõe o objetivo com a presente obra: ensinar o olhar científico. Ensinar não numa perspectiva única, mas levando em conta um dos inúmeros possíveis outros caminhos metodológicos. Além de, neste contexto diverso, tratar especificamente da pesquisa qualitativa.
Propondo contextualizar as primeiras metodologias das ciências sociais qualitativas, a autora, antes desta empreitada, caracteriza o embate entre a sociologia positivista e a sociologia compreensiva. Na sociologia positivista - de Weber e Durkheim - percebe-se o sujeito separado do objeto. As leis das ciências naturais devem reger as ciências sociais. Os fenômenos sociais são tratados como coisas, despreza-se a subjetividade. Ao contrário, na sociologia compreensiva valoriza-se a subjetividade tanto do sujeito pesquisador como dos sujeitos de pesquisa. Nessa perspectiva compreensiva da sociologia, muito influenciada por Weber, serão identificados os primeiros antropólogos e, consequentemente, as primeiras formas de metodologia qualitativa de pesquisa: método da monografia, etnografia, trabalho de campo e observação participante.
A autora ainda discute a influência da Escola de Chicago, criada no final do século XIX e início do século XX, para o desenvolvimento de metodologias de pesquisa qualitativa. Uma das marcas desta escola era a valorização do chamado interacionismo simbólico, que privilegiava a interação e a imersão do pesquisador na realidade dos sujeitos sociais para compreensão da realidade vivenciada por eles. Ademais, tratava-se de uma valorização da perspectiva do sujeito sobre a realidade, daí a superestima de instrumentos autobiográficos para análise da realidade. A convivência entre antropólogos e cientistas sociais propiciou essa incorporação de metodologias de campo. O fato é que os estudos de caso, e as próprias fenomenologia e etnometodologia tiveram influência dessa Escola.
Tratando do Estudo de Caso, a autora discute o processo de sua gênese e transposição para as ciências sociais. A origem do estudo de caso se dá no contexto dos estudos médicos, onde um caso específico era analisado minuciosamente. Transposto para as ciências sociais, o estudo de caso se torna uma forma de captar profundamente as especificidades e particularidades do caso. Ao contrário de métodos que procuram estabelecer homogeneidades, no estudo de caso a diversidade, o desvio e a heterogeneidade são valorizados. A imersão na realidade de um caso, numa perspectiva temporal, varia muito, podendo ir de semanas a anos.
A autora discute, também, o caráter do método biográfico nas ciências sociais; método muito caro a Goldenberg, pelo fato de tê-lo utilizado na tese de doutorado. A autora discute o método como um instrumento capaz de, na captação da singularidade de uma biografia, compreender questões amplas e universais. Foi dessa forma que Norbert Elias propôs uma análise biográfica de Mozart, e nessa perspectiva compreendeu relações universais que contextualizavam a vida do artista.
Goldenberg chama atenção para o fato de a pesquisa qualitativa ser acusada de não objetividade e tendente a bias (viés, preconceito, etc.). Como forma de se contrapor a estas críticas a autora propõe que na pesquisa qualitativa os processos metodológicos sejam descritos de forma rigorosa, além de expor, de forma sincera e não neutra, as tendências que possivelmente podem influenciar o pesquisador no processo de pesquisa. Ademais, as pesquisas qualitativas, na medida em que propõe, através desses procedimentos, o controle da bias, permitem maior objetividade e representatividade científica do que as pesquisas quantitativas, que se enganam com uma pretensa neutralidade científica.
A autora ainda discute os problemas teórico-metodológicos das pesquisas qualitativas. Obviamente que neste tipo de pesquisa existe uma interação maior do sujeito pesquisador com os sujeitos ou objetos de pesquisa. A implicação da subjetividade do pesquisador na realidade a ser investigada é um problema que precisa ser encarado com maturidade, a fim de que se evite a bios e, principalmente, a crítica da vertente positivista da ciência. Novamente, a autora defende que uma clara consciência das interferências subjetivas que possam deformar resultados de pesquisas é uma estratégia de lidar com os problemas teórico-metodológicos da pesquisa quali.
Goldenberg propõe ainda um diálogo entre perspectivas que parecem inconciliáveis: quanti e quali. A autora defende que a interconexão dessas abordagens, numa perspectiva de triangulação, proporciona uma visão ampliada do objeto de estudo, o que possibilita uma melhor captação da realidade. Deve-se superar essa dicotomia infrutífera que aparta essas abordagens de pesquisa.
Seguindo para uma parte mais prática do texto de Goldenberg, a autora passa a expor os passos para a construção de um projeto de pesquisa. Num primeiro momento, propõe que se faça uma pergunta certa para a investigação, isto é, aquela que tenha relação com o pesquisador. Em seguida, trata da formulação do problema. Neste ponto, a autora chama atenção para o fato de que o problema é derivado de uma imersão profunda do assunto e de intensa leitura da literatura disponível. Ademais, deve-se ter uma capacidade objetiva na elaboração do problema, e de profunda especificidade (recortes), a fim de que os leitores compreendam a natureza da pesquisa. Nesse contexto de delimitação do objeto, expõe outra etapa da pesquisa, a elaboração do projeto. É neste momento que o problema será contextualizado e delimitado; etapa que requer atenção, cuidado e rigor científico. Discute de forma sintética os passos da pesquisa após a escolha temática, delimitação do objeto e exposição do problema. Para a contextualização do problema é necessário elencar os principais conceitos que serão abordados na pesquisa, bem como as hipóteses principais que respondem o problema. Um outro passo importante da pesquisa é o fichamento da teoria. Goldenberg trata esta etapa como fundamental para a escrita do relatório de pesquisa, pois este exercício é que possibilita uma verdadeira apreensão e apropriação das categorias e ideias utilizadas pelo autor lido.
Sobre as entrevistas e os questionários, Goldenberg trata dos procedimentos adequados a estes instrumentos de coleta de dados que devem ser seguidos pelos pesquisadores. A autora chama atenção para o fato de que se deve dar voz a sujeitos que não são ouvidos. Trata ainda das possíveis estruturações desses instrumentos de coleta de dados, podendo ser: abertos, fechados, assistemáticos (sem estrutura ou semi-estruturados) ou projetivos. Goldenberg ainda alerta sobre a obrigatoriedade das questões que compõem os referidos instrumentos estarem relacionados ao objetivo do estudo, além de tratar do cuidado com a não indução de respostas na forma de elaboração das questões. Expõe ainda uma série de vantagens e desvantagens dos instrumentos, a saber: vantagens do questionário – menos trabalhoso, de menor dificuldade de aplicação, de maior capilarização, e de maior facilidade de os entrevistados responderem; desvantagens do questionário – índice baixo de resposta, estrutura rígida e exige habilidade de ler e escrever; vantagens da entrevista – coleta informações de pessoas não escolarizadas, capta realidades subjetivas, facilidade de verificação de contradições e se estabelece maior vínculo com o entrevistado; desvantagens da entrevista – o entrevistador afeta o entrevistado, perde-se a objetividade com facilidade e a análise de dados é mais difícil. A autora ainda faz considerações relevantes de elementos que precisam ser incluídos no processo de construção da entrevista/questionário, a saber: informação a ser pesquisada; conteúdo da pergunta; a forma da pergunta; o lugar da pergunta; o tipo de instrumento adequado (questionário ou entrevista); elaborar rascunhos; submeter o roteiro à crítica; fazer pré-teste e refazer roteiro.
Em seguida Goldenberg trata da sensibilidade e atenção que devem constituir o pesquisador após a coleta de dados. Depois da fase de coleta de informações o pesquisador precisa relacionar os dados às teorias, o que demanda atenção, sensibilidade e preparo.
Goldenberg, por fim, trata do processo de construção do relatório final da pesquisa. Afirma ser esse processo muito importante, pois é o momento de exposição sintética dos resultados da pesquisa. A análise dos dados coletados virá aqui, além de ser também aqui, no relatório final, onde a criatividade e acúmulo teórico do pesquisador serão testados. Propõe a estruturação de um relatório final a partir de uma introdução que exponha os objetivos da pesquisa e a contextualização do problema, em seguida propõe uma discussão teórica que balize e legitime a empreitada, para que, por fim, se descreva o caminho metodológico seguido (incluindo as dificuldades e limitações), apresentação dos resultados e a análise e interpretação dos dados coletados. Chama atenção ainda para o cuidado ético com os sujeitos que participaram da pesquisa, evitando que o relatório seja um desencadeador de problemas para os mesmos.