jota 19/06/2021MUITO BOM: como escreveu o Sunday Telegraph, o livro de Ayelet Gundar-Goshen é mesmo “Uma fábula para o século XXI.”, interessante do início até o fimLido entre 03 e 18/06/2021. Avaliação da leitura: 4,8/5,0
Uma Noite, Markovitch, o título desse livro da israelense Ayelet Gundar-Goshen só fui entender completamente quando li o capítulo 7 de sua terceira parte: Depois (as duas primeiras são Antes e Durante e a última, Depois de Depois). Naquele capítulo, Bela, uma das personagens centrais da trama diz ao marido: “Uma noite, Markovitch. Uma noite vamos dormir juntos como marido e mulher.” Mas Bela e Iaakov Markovitch eram legalmente marido e mulher, então o que havia de errado com o casal? Aí se faz necessário ler a sinopse da editora Todavia para entendermos como as coisas chegaram a esse ponto, àquela fala de Bela:
“Às vésperas da Segunda Guerra, um grupo de jovens vai da Palestina à Europa. Lá, jovens judias que nunca conheceram os esperam. O objetivo: casamentos fictícios com os quais as meninas poderão escapar da Europa sob Hitler e alcançar a futura pátria judaica, então sob o domínio britânico. Dois dos jovens são amigos íntimos, mas muito diferentes. Zeev Feinberg, um sujeito alto e musculoso, acostumado a ter mulheres a seus pés. O outro, Iaakov Markovitch, é um cara monótono e sem carisma. No entanto, é Markovitch quem fica com a mulher mais bonita, e, quando eles alcançam Israel ele se recusa a se divorciar, com a esperança de que ela o amará algum dia.” Essa mulher bonita é Bela Markovitch, que em vez de ganhar a liberdade, razão de seu casamento fictício com Iaakov, se torna prisioneira do marido, que não lhe concede o divórcio, conforme prometido.
Outras destacadas personagens femininas criadas pela autora serão Sônia Feinberg e Rachel Mandelbaum. Aos personagens masculinos, os agricultores Zeev e Iaakov, se juntam o açougueiro Avraham Mandelbaum e Efraim Handel, vice-comandante do Irgum, que, como explica o glossário, era um “grupo operacional militar clandestino que lutava (como outros grupos semelhantes) contra o mandato inglês sobre a Palestina e pelo estabelecimento de um Estado judeu.” Toda ação se passa, portanto, antes de 14 de maio de 1948, que foi quando Israel proclamou sua independência. Aos personagens adultos depois se juntam três crianças notáveis: Iair Feinberg, Tzvi Markovitch e a pequena alemãzinha Naama, que entra para a trama numa sequência marcante. Os quatro homens e as três mulheres terão suas histórias contadas, seus relacionamentos esmiuçados, num clima que lembra muito as páginas de Cem Anos de Solidão, do colombiano Gabriel García Márquez, um dos principais expoentes do chamado realismo mágico ou fantástico na literatura.
Apesar disso, a história contada nesse livro, a questão dos casamentos fictícios para escapar da Europa nazista é, segundo a própria autora, real. A história de Markovitch, real ou não, com elementos fantásticos, fabulosos, é muito bem escrita, cheia de erotismo (principalmente nos capítulos iniciais), sensualidade, aventura, humor e também tristeza (a partir de certo suicídio e depois de uma morte). Além disso, tem como pano de fundo um pouco da história da criação do estado judeu. Ou seja, tem todos os elementos para manter o interesse do leitor do início ao fim do livro. Deve agradar bastante as leitoras porque Ayelet vai fundo na questão da sexualidade feminina. Tanto que se pode dizer dela que seja assim uma espécie de Jorge Amado de saias do Oriente Médio: vi numa entrevista durante a FLIP 2019 que ela aprecia bastante o autor baiano, Dona Flor, Gabriela...